sábado, 12 de dezembro de 2009

Ouvi e gostei

Recomendações musicais de leigo para leigo.



Álbum novo da Norah Jones - The Fall. Nada a ver com ela, a começar pela capa (que diabos é esse cachorro??? e essas roupas e aquela parede? e o chapéu?). As músicas também pouco lembram o hit Don't know why e outros sucessos anteriores. Tem uns efeitos eletrônicos, umas guitarras mais pesadas, coisas que a gente nunca esperaria nessa bonequinha de porcelana que é a Norah Jones. Mas não é que o negócio é bom? A voz suave e o piano continuam lá, mas de um jeito diferente. Adorei. Acho muito bom ser surpreendido, pena que acontece tão pouco... Destaque para Young Blood, Chasing Pirates (a mais estranha das músicas - e muito boa!) e Waiting, a minha preferia até agora (I am waiting here, waiting for you to come home, huuummm huuummm....).




Álbum novo do Jamie Cullum - The Pursuit. Muito bom, como sempre. Destaque para sua versão de Don't stop the music, da Rihanna. Nunca gostei dessas cantoras estilo sou-rica-gostosa-poderosa-faço-o-que-que-eu-quiser, mas tenho que admitir que essa música é muito boa. A letra é ótima, não do estilo pra pensar na vida e tal, mas pelo jeito que casa perfeitamente com a melodia, pela pegada meio sexy, ousada, mas na medida certa... Preciso dar uma crédito pra Rihanna, não consigo parar de cantar. Gostei muito também de I'm all over it, com aquele coralzinho cantando o refrão, meio estilo All you need is love. Adoro quando as músicas tem coralzinho.






Álbum novo do Kings of Convenience - Declaration of Dependence. Essa duplinha de caras esquisitos da Noruega manda muito bem. Já tinha ouvido os álbuns anteriores e gostado muito. Ao contrário da Norah Jones eles não inovaram nada, as novas músicas são muito parecidas com as anteriores, mas é excelente. Adoro isso, também, não ter regras, com inovação, sem inovação, o que vale é música boa. Destaque para Me in You e Renegade (go eeeeeeeasy on me, I can't help what I'm doing....). O que acho engraçado no Kings é que as músicas são tão calminhas, tão gostosas de ouvir, tão bem-feitas que parece que qualquer um poderia compô-las. A impressão que dá é que eles fizeram o álbum todo do jeito que aparece aí na foto, sentados numa praia, sem compromisso nenhum. Eu só acordo pra vida e vejo como é difícil fazer música boa quando ouço música ruim. Esse é um talento raro, fazer o difícil parecer simples.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As criancinhas do Tchekhov

Já falei de Tchekhov aqui nesse blog. Mas quanto mais coisa eu leio dele mais eu me apaixono. Esse conto, por exemplo, chamado ironicamente de O Acontecimento, todo mundo que tem ou pretende ter filhos devia ler. Tem seis páginas somente e é muito simples, quase banal, mas cruel. Me faz pensar em como os pais conseguem destroçar os sonhos dos filhos sem nem perceber...

Passeio

Vi esse quadro enquanto folheava uma revista no sábado e ele ficou na minha cabeça.
A cara de psicopata desse homem, os pézinhos da bruxa da mulher, tudo tão doido, tão doido, que até parece um sonho de verdade.
Promenade - Marc Chagall

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O que as mulheres querem

Sempre que surge numa mesa de bar o velho assunto das diferenças entre homem e mulher, com cada lado provando por A + B porque é que o outro lado é que sempre estraga tudo, eu fico me perguntando porque as pessoas não aprofundam a discussão. Os argumentos usados são quase sempre os mesmos: os homens querem mais liberdade, as mulheres querem mais romance, e por aí vai. Nunca ouvi nenhum argumento que não girasse em torno disso. Fico na dúvida, então, se as pessoas não conseguem ir mais longe que isso ou se não querem. Sei lá, no fundo é até divertido manter a discussão acesa; se resolvermos entender de verdade o problema corremos o risco de solucioná-lo e aí os relacionamentos perderiam a graça!

Mesmo assim, resolvi expor aqui como eu vejo a questão do lado feminino. Tenho a vaga esperança de assim ajudar meus pobres amigos homens, que tanto sofrem com as inconstâncias da alma feminina.

As reclamações masculinas sempre giram em torno de como as mulheres infernizam as suas vidas com cobranças e desconfianças. "Ela não me deixa sair com meus amigos!", "Se eu vou no happy-hour ela fica de cara amarrada!", "Ela só pensa em casar!", "Ela quer que eu diga Eu te amo toda hora", "Ela quer um príncipe encantado", etc, etc. Que esses exemplos são reais eu não duvido. Mas a questão é: o que está por trás desse comportamento?

Bem, aqui vai uma humilde tentativa de explicação.

O que as mulheres querem é ser a coisa mais importante da sua vida. Mais importante que seu trabalho, mais importante que sua carreira, mais importante que sua família, que seus amigos, que seus planos, etc.
As simple as that.
Como assim?!!! Então ela quer que eu abra mão de toda a minha vida e me dedique exclusivamente a ela??
Na verdade não. A mulher não quer que você esteja ao lado dela 100% do tempo (na boa, a gente também não teria paciência pra te aturar todo esse tempo!), mas ela quer que você queira estar com ela. Você pode amar seu trabalho, pode sair com seus amigos, viajar, assistir o futebol, fazer o que quiser, desde que, lá no fundo, você esteja pensando nela. É como naquele filme Separados pelo Casamento, em que a Jennifer Aniston e o Vince Vaughn fazem um casal em crise. A certa altura, no meio de uma briga ela diz para ele: "Eu não quero que você lave a louça, eu quero que você queira lavar a louça!"
Como essa frase resume bem o espírito da coisa! Não importa tanto o que você faz, importa mesmo o que você quer fazer. Por isso você pode ter o trabalho e a mulher, os amigos e a mulher, o futebol e a mulher. No fundo, ela só precisa saber que, caso um dia você fosse confrontado com uma escolha, você escolheria ela. E como essa situação hipotética raramente se concretiza, na prática nada muda. Voce só precisa convencê-la de que ela é importante e que você pensa nela. Se ela acreditar nisso, você terá paz, eu garanto. Nada mais de cobranças, nada mais de desconfiança, nada mais de insegurança. Você poderá trabalhar até tarde quando quiser, ir a quantos happy-hours quiser, video-game, futebol, baladas, despedidas de solteiro, tudo estará liberado, porque a mulher está tranquila.

As perguntas que ficam, então, são: como convencê-la disso? E se não for verdade, devo mentir? E ela vai acreditar?
Bom, aí já não sei. Cada um sabe da própria vida. A única resposta que eu posso dar é: se a sua mulher está te enchendo o saco, o motivo, com grande chance de acerto, é esse. E se você quer que ela pare de te encher o saco, faça-a se sentir a coisa mais importante da sua vida. E se você não consegue, só vejo duas alternativas: arrume outra mulher que realmente seja importante pra você ou conforme-se em viver eternamente com a insegurança de alguém que sabe que está em segundo plano.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Qual é a coisa certa a fazer?

Uma dica sem preço recebida do Fábio:

http://www.justiceharvard.org/

Um professor de Harvard fez tanto sucesso com suas aulas polêmicas sobre Filosofia Moral que resolveram gravar suas aulas e transmiti-las pela Internet. Ao longo do curso, que se chama "Justiça", ele discute questões morais intrincadas com os alunos, sempre trazendo para a discussão os pensamentos de filósofos famosos que se dedicaram àqueles temas.
Algumas das questões "divertidas" que ele aborda nas aulas:

- existe alguma situação que justifica a tortura?
- você roubaria um remédio que um filho seu precisa para sobreviver?
- quanto vale a vida humana?
- o que é uma sociedade justa?

Muito melhor de que encontrar respostas, é entender como nossas justificativas são frágeis e aprender com o raciocínio de pessoas que se dedicaram a pensar sistematicamente sobre o assunto . Independente de qualquer resposta, uma discussão inteligente, com o espírito aberto, só nos faz evoluir. Nenhum estudante universitário devia se formar sem isso.

A despeito de toda a super produção tipicamente americana - que muitos poderiam usar como argumento para tentar desqualificar o programa - acho a iniciativa simplesmente genial. Quando vejo uma coisa dessas fico me perguntando por que aquele povo todo da FFLCH não para de repetir automaticamente aqueles discursos esquerdistas ultrapassados e vai atrás de fazer alguma coisa desse tipo. Ideologias a parte - e eu tenho aprendido como é difícil deixar as ideologias a parte! - uma discussão inteligente, baseada em autores consagrados, só tem a agregar.

Disparar opiniões inflamadas - de esquerda, de direita, de cima, de baixo, de onde for - é muito fácil. Difícil é embasar essas opiniões. Difícil é deixar a emoção de lado e aceitar imparcialmente novos argumentos. Difícil é encarar os próprios erros, descobrir as próprias falhas de caráter, ver um ponto-de-vista defendido durante uma vida inteira virar pó.

Fantástico, simplesmente fantástico.

O dilema do Blog

Eu sempre tento escrever no Blog coisas que possam ter interesse geral e não apenas pessoal. Tento também escrever de maneira impessoal, na medida do possível.
Mas que orientação difícil de seguir, viu!
Releio agora o texto das gerações e odeio aquele final pseudo-filosófico... Eu sei muito claramente o que tinha na cabeça quando escrevi aquele texto, mas travei quando tentei expressar aquilo de maneira geral.
No fundo tudo é pessoal. No fundo estou sempre pensando na minha vida e tentando entendê-la. E, vez ou outra, tenho a ousadia de pensar que isso poderia ser útil pra mais alguém.
Eu só queria compartilhar o que vejo, pois eu vejo muita coisa. Mas nesse dilema, vou deixando de lado grande parte do que escrevo.

Como é que se faz um blog, afinal, hein?

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Bovary I

Acabei Madame Bovary.
Que mulherzinha odiosa, vil, burra, irritante!
E que delícia que é experimentar novamente esses sentimentos provocados pela ficção, como odiar uma pessoa que não existe!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Bibliografia do semestre

O que ando lendo para alimentar as minhocas na minha cabeça:

Em IEL (Estudos Literários), estamos na fase “contos”. Entre os que já lemos ou ainda vamos ler estão:·

O espelho, O Enfermeiro e A Causa Secreta, todos de Machado de Assis;·

A Queda Da Casa De Usher (Edgard Allan Poe);·

O Travesseiro De Plumas (Horácio Quiroga);·

O Capote e O Nariz (ambos de Nikolai Gogol);·

Colinas Parecendo Elefantes Brancos (Ernest Hemingway)·

O Acontecimento (Anton Tchekov).

Tudo isso acompanhado de infinitos textos da teoria literária sobre tempo, espaço, foco narrativo, etc. Na falta de tempo para dar conta de tudo, é claro que os contos acabam passando na frente dos textos... No final do semestre passaremos à análise do romance e então deveremos ler Madame Bovary. Se alguém tiver esse livro, aliás, e puder me emprestar, já agradeço!

Em IEC (Estudos Clássicos), já lemos a tragédia Édipo Rei, de Sófocles (sensacional!) e agora estamos na comédia Anfitrião, de Plauto. Antes de tudo, porém, começamos com A Arte Poética de Aristóteles, uma espécie de manual de como contar histórias. Com certeza foi a leitura mais útil do ano. Todas as matérias usam esse tratado como referência e, a meu ver, de George Lucas a Glória Perez, todo mundo segue os preceitos aristotélicos pra escrever suas histórias.

Em Lingüística, ficamos com o manual básico de lingüística II. Na verdade essa matéria tem pouca teoria e muito exercício, mas tem sido divertido decifrar trechos de línguas como Pocomchi, da Guatemala, Olsk, da Sibéria e Popoluca da Serra (México).

Fora isso, tenho tentado “relaxar” lendo Musashi, um célebre romance épico baseado na história japonesa. Na cabeceira da cama mantenho sempre também a coletânea de crônicas A Descoberta do Mundo, de Clarice Lispector, do qual, aliás, já saíram muitos posts para este Blog. Comecei a ler (e estava gostando) Deus é um Delírio, do Richard Dawkins, cuja palestra assisti na Flip deste ano, mas acho que só vou conseguir terminá-lo nas férias.

Acho que é isso.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Entendendo meu tempo e meu lugar

As pessoas da minha geração, em maior ou menor grau, parecem seguir um mesmo padrão histórico. Tenho a impressão de que somos todos o que chamarei aqui de “terceira geração”. De acordo com esta minha teoria, nossas histórias familiares seguiram mais ou menos a seguinte trajetória:

A primeira geração era rural, pobre e iletrada. Seriam os primeiros descendentes de imigrantes (ou também migrantes), sem nenhuma formação, nenhuma educação, nenhum patrimônio e muitos filhos. Com muito sacrifício eles conseguiram criar esses filhos, com um ou outro ficando pelo caminho e, eventualmente, mudaram-se para a cidade onde os filhos puderam ter acesso a educação.

A segunda geração já era urbana, talvez ainda nascida na roça, mas já criada na cidade. Estas pessoas conseguiram estudar, às custas de muito sacrifício de seus pais, e algumas chegaram até mesmo à faculdade. Com isso conseguiram trabalhos melhores e passaram a ter um padrão de vida mais elevado. Não tinham ambições maiores do que esta, sua grande conquista foi quebrar o ciclo de miséria em que seus pais viveram e estabelecer um novo padrão. Manter e proteger esse padrão passou a ser, então, o seu grande objetivo.

A terceira geração foi o “auge” dessa evolução. Com pais que valorizavam a educação e o conforto, essas crianças cresceram cercadas de cuidados e tendo acesso à melhor educação possível, de acordo com as possibilidades de seus pais. Sem o “medo da fome” que seus pais carregavam consigo, elas desenvolveram ambições maiores e passaram a questionar a atitude conservadora e avessa ao risco de seus pais. Trabalhar durante toda a vida numa grande empresa ganhando o que no jargão daquela geração se chamava “um bom salário” deixou de ser motivo de orgulho e, se não virou motivo de desprezo, ao menos deixou de ser um objetivo inquestionável.

Esta última geração, a meu ver, somos nós, e por “nós” aqui entendo “pessoas da região sul/sudeste, de classe média, entre 20 e 40 anos de idade”. É claro que podem existir muitas variações a esta sequência, mas tendo a acreditar que, com uma diferença ou outra, a maioria das histórias se deu mais ou menos assim.

E daí, alguém poderia perguntar? O que isso muda na minha vida? De imediato creio que não muda nada, mas, dependendo de como essa idéia for digerida, pode-se mudar o jeito de encarar o mundo. Parece-me um tanto atordoante pensar que não sou um ser único e exclusivo, mas sim um fruto das circunstâncias. E muito parecido, aliás, com os outros frutos das mesmas circunstâncias. Ou seja, tudo que sou e faço hoje tem a ver com a trajetória da minha família e do meu país. E sabendo disso posso então perguntar: para onde estamos indo? Qual é o próximo passo? Como será a próxima geração? E a seguinte? E como será o Brasil dessas pessoas? E como será o mundo em que esse Brasil estará inserido? E o que essas pessoas vão pensar de mim quando olharem para trás? Qual terá sido o meu papel nessa trajetória?

Se por um lado isso tira a liberdade que eu achava que tinha, por outro me resgata uma dignidade que perdi tentando viver histórias que não eram minhas. Este é meu tempo, e nenhum outro. Este é meu lugar, e nenhum outro.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O melhor requisito já escrito

(Desu, essa é pra você!)

1) Todo é o que tem princípio, meio e fim.

2) O princípio é o que não vem necessariamente depois de alguma coisa; aquilo depois do qual é natural que haja ou se produza outra coisa.

3) O fim é o contrário: produz-se depois de outra coisa, quer necessariamente, quer segundo o curso ordinário, mas depois dele nada ocorre.

4) O meio é o que vem depois de uma coisa e é seguido de outra.

(Aristóteles, em A Arte Poética)

Queria ver dar confusão entre fornecedor e cliente se o Aristóteles estivesse escrevendo os requisitos!!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ensinar/Aprender II

Tenho usufruido de uma posição privilegiada ultimamente: sou aluna e professora ao mesmo tempo. E através dos meus professores, consigo enxergar muitos dos erros que cometo como professora. O que de maneira alguma implica em corrigí-los. Não é de hoje que eu sei que reconhecer o errado é uma coisa mas descobrir o certo é oooooooutra coisa...

Numa da aulas de Literatura, por exemplo, cheguei a ficar com pena da professora - muito jovem para uma professora universitária, aliás, talvez esse fosse o problema - que tentava a duras penas nos conduzir pelos meandros da interpretação de um conto. Como boa professora que era, ela tentava fazer os alunos percorrerem por si os caminhos do raciocínio que levariam aos conceitos que ela tentava apresentar. Um professor preguiçoso simplesmente apresentaria os conceitos e pronto: "aceitem, é isso aí, sem mais discussões". Muito louvável o esforço dela, na teoria isso é perfeito. Mas na prática.... como é difícil! Ela perguntava A e os alunos respondiam B, ela perguntava 1 e os alunos respondiam 2. Ela reformulava as perguntas de todas as maneiras possíveis, dava todas as dicas possíveis, fazia o máximo esforço para indicar o caminho sem dar a resposta e a gente nada: só comentários estúpidos. O pior é isso, nós, os alunos, estávamos nos esforçando, mas só conseguíamos fugir mais e mais do assunto.

É uma situação complicada. Também já passei por isso, preparando altas estratégias para levar o aluno a tirar suas próprias conclusões, mas quando chega a hora, ele sempre dá um jeito de mandar sua estratégia pro espaço. Você prepara todo o terreno para ele dizer X. Você espera que ele diga X, assim você pode levá-lo à conclusão Y. Mas ele não diz X, ele diz @#$%*^%$! E para onde vai a conclusão Y? Melhor não responder...

Enfim, com a experiência talvez isso melhore.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Kafkando

Ai que saudade de escrever no blog... Tanta coisa pra falar, tantas idéias que vão surgindo e se encadeando umas nas outras nessas longas horas gastas no trânsito... Às vezes me pergunto se não dá pra fazer download do cérebro...

Bom, enquanto não dá e enquanto não consigo trocar o carro pelo meu quarto, fica aqui um contozinho de Kafka que deu muito o que falar na primeira aula de IEL II:

"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro" - "Você só precisa mudar de direção", disse o gato e devorou-o.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O milagre da língua

Quanto mais estudo esse negócio de línguas mais eu me surpreendo. É fascinante esse sistema que os humanos desenvolveram pra se comunicar. E acho que só se tem uma noção da dimensão desse fenômeno quando se estuda pra valer uma segunda língua. Existe tanta coisa pra se nomear! E as coisas podem ser nomeadas de tantas maneiras diferentes que dominar uma segunda língua parece missão impossível. Você estuda, estuda, estuda e sempre descobre novos jeitos de dizer a mesma coisa. Ou ainda descobre novas coisas para dizer, coisas que a sua primeira língua não te permitia dizer, ou, no limite, não te permitia nem pensar.
Veja, por exemplo, a palavra "andar". Quantas maneiras diferentes existem para se referir ao ato de andar? Em português eu poderia dizer andar, caminhar, correr, trotar, arrastar-se, marchar, etc. Em inglês, pegando do meu melhor-amigo-dicionário, olha isso:

stride: to walk with long steps
march: to walk with regular steps (like a soldier)
stroll, wander: to walk slowly for pleasure
tramp: to walk with slow, heavy steps
shuffle: to walk slowly by sliding your feet along instead of lifting them from the ground
creep: to move very quietly and carefully, often with your body in a low position so that nobody will notice you
prowl: to walk or move quietly, in a suspicious way
paddle: to walk with bare feet in shallow water
wade: to walk with difficulty through deep water, mud, etc
stagger: to walk in an unsteady way as if you could fall at any moment
limp: to walk in an uneven way because you have hurt your leg or foot

Fico me perguntando como é que nos primórdios da humanidade nossos antepassados chegaram à conclusão de que precisavam de uma palavra específica para comunicar a idéia de "caminhar de maneira instável como se você pudesse cair a qualquer momento"! Eu consigo conceber a necessidade de uma palavra para a idéia de colocar um pé na frente do outro continuamente para se locomover, ou seja, "andar". Mas daí para o nível de refinamento a que chegamos no inglês, por exemplo, é difícil de imaginar. Tenho até medo de pensar quantas palavras diferentes existem para "andar" em alemão.

Em Linguística I, começamos a estudar a língua como ciência e aprendemos algumas noções sobre aquisição de linguagem. E chamam a atenção alguns fatos que, depois de explicitados parecem óbvios, mas que tenho certeza que ninguém nunca parou pra pensar. Por exemplo, todo ser humano sabe uma língua. Não existe nenhum ser humano (excetuados casos de doença, claro) que não tenha aprendido uma língua. Existe um monte de gente que não sabe escrever, isso sim, mas que não saiba falar não existe. Civilações isoladas, sem escrita, aborígenes, clãs isolados no Tibet ou no Uzbequistão, todos sabem se comunicar seguindo as regras da sua língua. Outro fato interessante: mesmo os falantes considerados iletrados possuem regras. A gente tende a pensar que fora dos limites da norma culta impera o caos e cada um fala como quer. E claro, quanto menos conhecimento uma pessoa tivesse da norma culta, mais caótico seria o seu discurso. Nada disso. Vi inúmeros exemplos de regras que todos os falantes seguem, inconscientemente, sem nunca terem estudado, sem nunca terem sido ensinados, sem nunca terem pensando a respeito.

E isso é só o começo. Por mais que saiba que existe uma explicação (e eu quero buscá-la), não consigo deixar de notar algo de milagroso nisso tudo!

Você já ficou feliz POR alguém?

Não é um fenômeno comum, mas acontece de tempos em tempos. É mais ou menos assim: uma coisa muito muito boa acontece com uma pessoa muito muito querida. E quando você se dá conta está feliz de uma maneira transcedental. É claro que ficamos felizes sempre que algo dá certo na vida de um amigo e celebramos e compartilhamos esses momentos com prazer e empolgação. Mas não é disso que estou falando. É daqueles momentos de comunhão com o universo em que você não deseja nada, pois não há nada para desejar. Você não deseja estar no lugar daquela pessoa. Você não deseja que algo tão bom aconteça com você também um dia. Você não deseja que aquele momento perdure ou que novas conquistas venham no futuro. Você simplesmente está feliz, porque tudo foi como tinha que ser. Está "everything in its right place", como diria o Radiohead.

Queria que existisse uma palavra pra descrever esse sentimento. Eu o chamo aqui de "felicidade" mas é algo diferente, e melhor. É uma benção.
O que me faz lembrar da Clarice e das idéias sobre linguagem que eu venho matutando e pretendo escrever num post após esse. Numa crônica de 1967, ela falou sobre o seu "rol de sentimentos":

"Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por uma pessoa de quem não gosto – como se chama o que eu sinto? A saudade que se tem da pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?"

Pois então pergunto: como se chama ficar feliz por alguém??

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A definição perfeita da vida corporativa (Muuuu!)

Dilbert.com

Ensinar/Aprender

Quando você presta atenção, o mundo fala com você.

O Dan Stulbach, aquele ator global não tão global, que fez o cara que batia na esposa com uma raquete de tênis numa das novelas do Manoel Carlos, enfim, o Dan, numa entrevista que ouvi na rádio Eldorado outro dia, teve de responder à seguinte pergunta:

"Você começou a dar aulas de teatro quando tinha 17 anos. Como é dar aula tão novo? Você já tinha experiência para ensinar naquela época? Como isso foi possível?"

A resposta:

"Eu descobri que ensinar, na verdade, significa criar situações de aprendizado. Não se trata de transmitir um conhecimento que você possui e o aluno não, mas sim de criar uma situação em que o aluno descubra o que sabe por si só. E isso não tem a ver com idade"

As melhores frases do 1o semestre na FFLCH

Coisas que aparecem escritas nas lousas, murais e paredes de banheiro lá da Letras:

Os marxistas estão em casa jogando Wii.

Welcome to Marxland, where you are Mickey Mouse.

Ninguém me ama, ninguém me quer,
ninguém me chama de Baudelaire.

Em terra de gay quem tem pinto é rei.

* a lista é grande, vou postando outras conforme for lembrando.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Fotos que eu adoro

Amanhacer na Av. Dr. Arnaldo















Garotinhas desconhecidas em Sevilla



















E um flagra à luz do dia: "contrabando de alface"!











E elas ainda disfarçam...











EU ODEIO ESSE INVERNO TROPICAL!

Esse inverno paulistano é uma tortura pra mim. Faz frio em todo lugar: em casa, nos escritórios, nas salas de aula, lojas, restaurantes, cafés, supermercados, everywhere. Passo meus dias com as unhas roxas, os pelos arrepiados, os músculos contraídos, o nariz vermelho. O único lugar em que tenho um descanso é o carro. Estacionado no sol ele vira uma sauninha maravilhosa. Acho que vou ficar trabalhando lá. Ou vou me mudar pro Nordeste, onde o inverno é verdadeiramente tropical. Ou pra um país frio, onde pelo menos todos os ambientes fechados são quentinhos, mesmo que do lado de fora esteja -30 graus. O que não dá pra aguentar são esses constantes 15 graus de São Paulo.

Pronto, falei.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Flip em imagens

A tenda.
E viva o Itaú!

É ele, é ele!

Xinran: Miss Simpatia

... e olha o sapatinho dela!


Por último, as pérolas de Parati:

(excelente nome pra salão, não?)

(reparem no trocadilho: para-ti modas)

(agora que parei pra ler: sorteio de fusca com 40 caixas de cerveja, hahahaha!)

A "listinha"

Na Flip a listinha do "por ler" sempre cresce. Seguem os acréscimos desse ano:

  • Deus é um delírio (Richard Dawkins)
  • O convidado surpresa (Gregoire Bouillier)
  • As boas mulheres da China (Xinran Hue)
  • O resto é ruído (Alex Ross)
  • O sol se põe em São Paulo (Bernardo Guimarães)
  • Syngué sabour: pedra de paciência (Atiq Rahimi)
  • O arquipélago da insônia (Antônio Lobo Antunes)
  • Cotovia (Deszö Kosztolányi - esse autor, de nome impronunciável, foi recomendado pelo super exigente Antonio Lobo Antunes. Disse ele que foi uma alegria encontrar um livro tão bem escrito. A ver.)

Sophie Calle na Torre Eiffel


Esse foi um dos "projetos artísticos" dela: passar uma noite numa cama instalada no último andar da Torre Eiffel.

Linda foto!

Flip - dia 3

Um dia glorioso!

Tem coisas que só a Flip proporciona pra você!

Pra começar, a mesa 11, com Alex Ross, o americano que escreveu um best-seller sobre música clássica do século XX chamado "O resto é ruído". O cara é demais. Começou o debate tocando o início da Sagração da Primavera, de Stravinsky, e depois leu um trecho do seu livro em que descreve a noite de estréia dessa obra em Paris: houve brigas, confusão, competição entre vaias e aplausos, um verdadeiro barraco, tamanho o choque do público com aquele novo estilo de música. E o comentário dele a seguir:

"toda vez que vou a uma sala de concerto eu fico esperando que algo semelhante aconteça. Mas infelizmente nunca aconteceu e acho que nunca vai acontecer. Não existe mais um público assim tão envolvido com a música a ponto de se rebelar contra algo que não goste. As pessoas parece que tem medo de tomar partido, tem medo de ficar do lado errado da história"

Muito bem, seu Alex, muito bem!
Eu já tinha ouvido falar dessa história e também tinha pensado como seria legal ir a um concerto e ver as pessoas brigando por causa da música, hehe.

A mesa a seguir (12) foi algo inacreditável. Eles conseguiram trazer um ex-casal de namorados para debater ali, em público, o fim da relação e as obras de arte feitas a partir desse relacionamento.

A duplinha era composta pelos franceses Gregoire Bouillier e Sophie Calle.

A Sophie merecia um ensaio só pra ela (já dei uma palinha num outro post). Que mulher extraordinária! Multi-artista total, escritora, fotógrafa, artista plástica, agitadora cultural e sei lá mais o que. É impossível resumir aqui as histórias malucas que essa mulher já viveu.

Se ela por si só já daria assunto suficiente, vejam só o que foi esse debate. Sophie e Gregoire namoravam. Um dia ele manda um email pra ela terminando tudo. Ela fica puta e passa dias pensando em como responder esse email. Até que ela tem a idéia de fazer disso um novo projeto artístico. Ela contata uma centena de mulheres aleatórias, conta-lhes essa história e pede que escrevam a sua resposta. Isso virou uma exposição. O email do Gregoire e as respostas correram o mundo!

Já o Gregoire escreveu um livro chamado "O convidado surpresa" sobre o dia em que conheceu a Sophie.

Esse foi o primeiro encontro público deles desde então. Como eu disse, tem coisas que só a Flip traz pra você.

Foi muito engraçado. Esses franceses são mesmo muito pra frente.

Mas o mais bonitinho foi a Sophie dizendo que, a certa altura, ela se deu conta de que se o Gregoire voltasse, ela não terminaria o projeto, porque não faria mais sentido. Mas que ela nunca duvidou qual seria sua escolha neste caso: o namorado, e não a arte.

Será que, depois disso tudo, eu poderia esperar por algo ainda melhor na última mesa do dia? Eu não esperava, mas aconteceu: Antônio Lobo Antunes.
Quem???

Pois é, eu também não conhecia. Por isso estranhei quando o mediador do debate anunciou que seriam distribuídas senhas para quem quisesse autógrafos no final. Até então isso só tinha acontecido com o Chico!

Pois bem, Antônio Lobo Antunes é ninguém mais ninguém menos que o "Saramago II". Ou pelo menos foi essa a melhor definição que achei. Ele escreveu tantos livros quanto, recebeu tantos prêmios quanto, é tão famoso mundo afora quanto o "Saramago I". Só não é conhecido no Brasil, sei lá por que.
A entrevista foi cheia de piadinhas e referências ao "outro".

"Teria a academia sueca cometido um 'erro de português'?", perguntou o entrevistador a certa altura.

Mas ele não se abala. O cara é um figurão, com aquele humor português que eu já conhecia do Saramago, uma delícia. Rimos do início ao fim, com execeção das partes que não entendemos, já que aparentemente precisaríamos de uma tradução simultânea do português de Portugal para o brasileiro. Eita sotaquezinho difícil!
Foram muitos comentários sagazes.

Sobre o ofício de escrever por exemplo, ele disse:

"é preciso entender que a maioria das palavras existe para NÃO ser usada. Os adjetivos, por exemplo, são umas putas."

Sobre o que ele gosta de ler:

"eu gosto muito de poesia. A prosa pra mim é um problema, eu começo a ler e já tenho vontade de corrigir."

Numa divagação sobre arte:

"As Meninas, de Velazquez, é o maior livro, o melhor soneto, a melhor sinfonia, o melhor quadro que o homem já escreveu".

Obviamente agora que tenho que ler pra ver se os livros são mesmo tão bons quanto dizem. E aumenta a listinha!

Flip - dia 2

Mesa 6.
Foi um debate sobre poesia com uns autores modernos (e jovens) dos quais eu nunca tinha ouvido falar: Heitor Ferraz, Eucanaã Ferraz (eita nominho) e Angélica Freitas.
É interessante saber o que as pessoas do seu tempo, da sua geração, estão escrevendo. Os clássicos são sempre garantidos, claro, não tem erro ler Manuel Bandeira. Mas tem algo de muito especial em ler o que os nossos contemporâneos escrevem. Mesmo que eles não entrem pra galeria dos grandes gênios, tem um apelo especial, um som mais familiar.

Gostei especialmente da Angélica, entao segue um dos poemas que ela leu lá (péssimo ajuntamento de L's...):

"na banheira com gertrude stein

gertrude stein tem um bundão chega pra lá gertude stein e quando
ela chega pra lá faz um barulhão como se alguém passasse um
pano molhado na vidraça enorme de um edifício público

gertrude stein daqui pra cá é você o paninho de lavar atrás da
orelha é todo seu daqui pra cá sou eu o patinho de borracha é meu
e assim ficamos satisfeitas

mas gertrude stein é cabotina acha graça em soltar pum debaixo
d'água eu hein gertrude stein? não é possível que alguém goste
tanto de fazer bolha

e aí como a banheira é dela ela puxa a rolha e me rouba a toalha

e sai correndo pelada a bunda enorme descendo a escada e
ganhando as ruas de st.germain-de-près"

Mesa 7: debate meio quente entre Atiq Rahimi, um afegão refugiado na França, e Bernardo Carvalho, autor brasileiro que eu preciso conhecer. Eu só me lembro que ele escreveu "O sol se põe em São Paulo", livro que faz relativo sucesso, acho que já vi até propaganda no metrô. Do debate mesmo não lembro muita coisa. Ficou só a vontade de ler os livros deles pra ver do que se trata.

Mesa 9: Mario Bellatin, um mexicano meio piradão, e Cristóvão Tezza, autor daquele livro que já tá virando best-seller, "O filho eterno", que conta sua história com seu filho deficiente. Eu esperava que ele falasse mais desse livro, mas o mexicano não deixou. A única coisa que eu acabei guardando dessa conversa foi seu comentário sobre problema pessoal Vs. problema literário:

"escrever não é uma confissão. Para escrever sobre problemas pessoais, é preciso resolvê-los primeiro. Aí, então, ele se torna apenas um problema literário."

sábado, 4 de julho de 2009

Com vocês, Sophie Calle:

"Eu tinha quatorze anos e meus avós queriam corrigir algumas das minhas imperfeições. Iriam refazer meu nariz, esconder a cicatriz da minha perna esquerda com um pedaço de pele retirado das nádegas e, ainda, corrigir minhas orelhas de abano. Eu não estava convencida, mas me tranquilizaram: eu poderia desistir até o último instante. Foi marcada uma consulta com o Dr. F., famoso cirurgião plástico. Foi ele que acabou com as minhas dúvidas. Dois dias antes da operação, ele se suicidou."

Medo

Todo mundo tem medo da morte (é o que dizem).
Eu tenho medo que as pessoas fiquem bravas comigo. Muito mais que da morte, com certeza.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Flip - dia 1

O dia prometia. Xinram e Richard Dawkins na sequência, não é pouca coisa, não.
Mas as palavras mais marcantes acabaram vindo de onde menos se esperava. Domingos de Oliveira, na mesa "Separações":

- Eu sou um cara muito produtivo e vou contar pra vocês qual é o segredo para ser produtivo. É muito simples: basta terminar tudo que você começa. Depois você vê se ficou uma merda ou uma maravilha, mas antes, termine.

- Em algum lugar existe a "terra das obras de arte prontas". O trabalho do artista então não é criar a obra, mas sim tornar-se leve o suficiente para chegar até lá e pegá-la.

* Essa idéia apareceu de novo na mesa sobre poesia da sexta-feira (post depois desse): o poeta seria a mera "impressora de deus", hahaha. De um jeito ou de outro essa idéia já tinha passado pela minha cabeça, mas acho que nunca conseguiria expressá-la tão bem!

- Histórias com final feliz são chamadas "histórias de amor". Histórias com final infeliz são chamadas "histórias de relacionamento".

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Bibliotecas

Outro dia alguém olhou minha estante na sala e perguntou: "esses são todos os livros que você leu na vida? Eu achava que você tinha lido muito mais!"

Só aí que me dei conta: eu não comprei muitos livros na vida. Na verdade, isso é um hábito bem recente. E pior: parece que a minha taxa de leitura de livros segue uma tendência inversamente proporcional à minha taxa de compra de livros. Ou, em termos menos engenheirísticos: quanto mais livro eu compro menos livro eu leio.

Onde estão, então, todos os livros que eu li na vida? Simples: na Biblioteca Municipal de Jundiaí. Também emprestei muito livro das minhas tias e primas, vizinhos e amigos. Comprar livros mesmo, visitar mega-stores, nunca esteve nos hábitos da família. Será isso um hábito de cidade do interior?

Flip - dia 0

Conferência de abertura com Davi Arriguchi Jr.

A platéia lotada ouve atentamente a aula sobre Manoel (ou Manuel? nunca sei...) Bandeira.
Adorei a palestra, mas não pude deixar de pensar que foi muito parecida com a minha aula de Introdução aos Estudos Literários I na faculdade. A diferença é que aqui o palestrante falava para uma platéia lotada, composta pela "nata da intelectualidade nacional", pessoas que dirigiram horas para chegar até aqui e pagaram ingresso para vê-lo pelo telão. Havia até cobertura jornalística, imaginem! Na faculdade o pobre professor Mazzari se mata pra conseguir a atenção de meia dúzia de gatos pingados (a aula dele é no segundo horário, 9 da noite, ou seja, metade da turma já foi embora), cansados e desinteressados em sua maioria, numa salinha apertada, suja, cuja infra-estrutura se limita a mesas e cadeiras dos anos 60 e um projetor de slides quebrado.
A aula é a mesma, só mudou o contexto.
Mas quanta diferença....

Show de abertura da Adriana Calcanhoto

Eu não tinha ingresso, tentei comprar na hora mas estava esgotado. A certa altura, porém, liberaram a entrada pra todo mundo. O show não estava lá mesmo tão disputado.
Enchi a cara de prosecco patrocinado pelo Itaú/Unibanco, from now on, meu banco favorito, hehehe.
Foi uma noite perfeita. A Adriana é linda, tem uma voz de veludo, minhas amigas estavam felizes, tinha uma garotinha brincando na minha frente que lembrava minha sobrinha...
Ri sozinha pensando em quantos shows caríssimos e disputadíssimos eu já fui na minha vida e como esse estava sendo melhor que todos eles. Sinto até ímpetos de fechar esse post com o chavão "as melhores coisas da vida vem de graça", mas é melhor evitar chavões. Só sei que essa foi de graça e foi excelente.

Flip 2009

Como israelenses e palestinos em trégua, paulistas e cariocas encontram-se pacificamente no território sagrado de Parati.
Começa a Flip 2009!

domingo, 21 de junho de 2009

Meu primeiro Bloomsday

Bloomsday é o nome que se dá a uma comemoração literária anual bastante atípica. O que se comemora não é a data de nascimento nem de morte de um dos maiores nomes da literatura mundial, James Joyce. É a data de celebração de seu maior personagem, Leopold Bloom. Ou seja, a ficcção tornou-se mais real que a realidade. O personagem, e não o escritor, ganhou um dia só seu no calendário!
Joyce é autor do que muitos consideram a maior obra da literatura mundial do século XX, Ulisses. Ulisses, uma "bíblia" de quase 800 páginas, narra um dia na vida de Leopold Bloom, em seu percurso pela Dublin do início do século. Não, você não leu errado: as 800 páginas são preenchidas por um único dia na vida de um sujeito que nada tem de especial. Esse dia é 16 de junho de 1904. E é justamente no dia 16 de junho que se celebra, todos os anos, a vida e a obra de Joyce.
A ironia final é saber que Joyce participa, sim, do romance, na pele de Stephen Dedalus, seu personagem alter-ego, o eruditíssimo e complicadíssimo amigo de Bloom. Mas o grande nome mesmo é Bloom. O que me leva a pensar que aí é que reside grande parte de sua genialidade: a capacidade de retratar com autencidade quase inacreditável um homem totalmente diferente dele mesmo. E, como se não bastasse, ele retrata de forma igualmente assustadora uma mulher, Molly Bloom, a fiel-infiel esposa de Bloom. Dizem os estudiosos que o capítulo final de Ulisses, em que os pensamentos de Molly são retratados sem censura e sem interrupção por quarenta páginas, é um dos melhores retratos da alma feminina jamais escritos.
A comemoração começou na Irlanda, terra natal de Joyce, e se propagou por todos os cantos do mundo. São Paulo ganhou um Bloomsday pra chamar de seu há 22 anos. Todos os anos os fãs do escritor reunem-se no Finnegans Pub para beber cerveja guinness e ler trechos da obra.
Demorei pra descobrir o evento, mas valeu a pena. Ano que vem estarei lá de novo. E, espero (fica aqui a promessa), já tendo lido o Ulisses. É uma empreitada e tanto, mas, como bem disseram os palestrantes deste ano, melhor que interpretação, palestra, música, festa, etc, é a comemoração solitária, só você e o Joyce, no silêncio da leitura.
Se seu filho vai bem na escola, preocupe-se: só os maus alunos dão certo.

terça-feira, 26 de maio de 2009

domingo, 26 de abril de 2009

quinta-feira, 19 de março de 2009

Pra que ser racional se é tão mais racional ser irracional?

“Não entender” era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não-entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. Não era um não-entender como um simples de espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma benção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez.

(…) Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana.

(Clarice Lispector, em "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres")

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Resumo da Mostra

Um pouco atrasado (só um pouquinho!), segue aqui o resumo da Mostra de Cinema como vista pela Giovana, a novata:

1. O Poderoso Chefão (parte I): em uma palavra, obra-prima. O que dizer de Al Pacino na pele de Michael Corleone? Só posso dizer que largaria tudo para viver com o homem dono daquele olhar que arrebata Apollonia na vila italiana... E o que dizer do desespero ao ver Kay aceitando casar-se com Michael? Dá vontade de entrar na tela e sacudi-la até ela entender a besteira que está fazendo! E o que dizer da cena do batizado, mesclando o discurso do padre com o derramamento de sangue encomendado por Michael? E finalmente, o que dizer da porta se fechando para Kay na cena final, depois de Michael mentir para ela dizendo “Não, Kay, eu não matei meu cunhado”... Ah! Depois dessa cena, simplesmente não dá pra levantar e ir embora. A gente fica grudado na cadeira, meio catatônico, meio sem ar, com vontade de bater palmas e agradecendo a deus por ter criado Coppola e Al Pacino...

2. Sede de Paixões: minha iniciação a Bergman. Um começo um pouco difícil, devo admitir. Mais comentários no meu outro post sobre a Mostra.

3. Fim de Verão: filminho japonês da década de 60, todo chiado, parecia aquelas fitas VHS misteriosas que os caras encontram no seriado Lost, sabe? Interessante, mas nada espetacular.

4. Toda Rotina Tem Sua Beleza: idem

5. Tulpan: filme bizarro do Afeganistão. Escrevi sobre ele no meu post inicial sobre a Mostra. É uma boa experiência cultural.

6. Invisíveis: seqüência de quatro curtas sobre pessoas cujos problemas são considerados invisíveis para as pessoas acomodadas como nós. Daqueles que se propõem a mostrar o mundo cão e nos sensibilizar para isso. Pretensioso como só ele. Achei péssimo.

7. Fanny e Alexander: um dos últimos filmes de Bergman, considerado por muitos o seu melhor trabalho. Achei excepcional, embora tenha um sentimento de que fiquei apenas na superfície de um vasto oceano. É bastante coisa pra se digerir de uma vez só, inclusive algumas cenas que entram pra categoria “chuva de sapos no Magnólia”, sabe? É aquela categoria das cenas totalmente non-sense, mas que você ama mesmo assim. Enfim, ainda tenho uma longa caminhada nesse negócio de cinema...

8. A Era Dos Matadores: thriller/comédia japonesa. Achei meio “trapalhões”...

9. Confissões de Super-Heróis: excelente documentário sobre artistas que ganham a vida fantasiando-se de super-heróis e tirando fotos com turistas no Holywood Boulevard em troca de gorjetas. Tocante.

10. Teza: este sim um filme que mostra o mundo cão (a África, sempre insuperável em matéria de mundo cão) sem cair na panfletagem afetada dos Invisíveis. Algumas cenas de embrulhar o estômago, algumas cenas que fazem a gente pensar que a humanidade devia ser exterminada do planeta... Mundo cão, mas com uma mensagem de esperança no final. Belíssimo.

11. Hanami – Cerejeiras em Flor: maravilhoso. O filme se passa parte na Alemanha, parte no Japão, ou seja, mais distante do Brasil impossível. Mas por que é que eu reconheci ali todas as famílias do mundo? Como já disse no post sobre Tchecov, os conflitos não mudam com a latitude nem com a época. Uma lição de vida.

12. A Guitarra: estorinha boba sobre uma mulher que descobre que tem pouco tempo de vida por causa de um tumor no cérebro e resolve então viver intensamente o tempo que lhe resta. Um mote batido, mas com potencial. Infelizmente foi muito mal aproveitado. Não perca seu tempo.

13. Radio Corazón: filme impagável sobre um programa de radio chileno chamado Radio Corazón. Num formato bastante conhecido aqui no Brasil, o programa recebe depoimentos de pessoas que viveram desventuras amorosas. Três dessas histórias foram selecionadas e entraram no filme. Todas engraçadas, dramáticas e cheias de surpresas. Um filme delicioso.

14. The Blue Tooth Virgin: e não é que o meu favorito foi o último? O filme com a trama mais simples e corriqueira foi o que mais me agradou como um todo, talvez por vir frontalmente de encontro aos conflitos que povoam minha cabeça nos últimos tempos. De que se trata? Assistam! Um dos melhores textos que vi ultimamente.

Em companhia de Tchecov

Inicialmente Tchecov me deu pesadelos. Tudo era real demais pra ser mentira. A cada conto que lia eu ficava mais impressionada. Como é que eu podia me envolver tanto com uma estória sem final? Mas aí comecei a perceber que o que me incomodava era justamente isso: a fidelidade com que ele retratava um dos fatos mais cruéis sobre a vida, a saber, que ela sempre continua. Quando lemos uma estória, sempre esperamos uma determinada estrutura mais ou menos estabelecida. Normalmente ela apresenta um conflito, que se desenvolve, atinge um clímax e se resolve. Damos-nos por satisfeitos quando esse fechamento nos é dado, mesmo que ele seja triste, sádico, cruel ou medonho. Quando fechamos o livro, o conflito é passado. Não sofremos pensando no que irá acontecer a seguir com aquelas pessoas porque não irá acontecer nada, a história delas acabou ali. Mas a vida real... ah, a vida real tem a péssima mania de continuar. Vivemos um conflito, ele se desenvolve, atinge um clímax, se resolve, bem ou mal, e...? Acordamos e temos que continuar fazendo tudo que se espera de nós: comer, falar, dormir, pensar, comprar, pagar, arrumar, dirigir, trabalhar, teclar. Somos obrigados a “viver” novamente, como se o conflito não tivesse existido, como se não tivéssemos sido tocados no mais fundo da nossa alma, como se não tivéssemos o direito a uma pausa, a um minuto de silêncio. Ou o direito de encerrar aquele “livro” e começar outro, na pele de outra personagem. É quase um desrespeito. Mas Tchecov foi impiedoso e transportou a vida para a ficção. Exatamente como ela é: sem final.

Não surpreende, portanto, o que Tchecov diz sobre si mesmo e sobre o ato de escrever em suas cartas:

Que o mundo fervilha com escória masculina e feminina é perfeitamente verdadeiro. A natureza humana é imperfeita. Mas pensar que a missão da literatura é colher o grão puro no monte de estrume é rejeitar a própria literatura. A literatura artística é assim chamada porque descreve a vida como realmente é. Sua meta é a verdade – incondicional e genuína. Um escritor não é um confeiteiro, nem um comerciante de cosméticos, nem um artista do teatro de variedades; é um homem compelido pela necessidade de cumprir seu dever e por sua consciência. Para um químico, nada na terra é sujo. Um escritor deve ser tão objetivo quanto um químico.

Além da ausência de final, toda essa crueza também está lá: a vida como ela é. E o leitor percebe isso logo de cara e sente-se mal, sente-se nu vendo todas as suas vergonhas expostas ali sem autorização. Nossos pensamentos mais mesquinhos, nossos sentimentos mais inconfessáveis, nossa preguiça e nosso torpor diante da vida, está tudo lá. Os pecados são todos iguais, não importa a época, não importa a latitude. Mesmo nunca bebido samovar (chá) ou nunca tendo andado de carruagem, sinto na carne as dores do bispo Piotr, do professor Nikitine, do casal Laievski e Nadiedja Fiodorovna. Dói-me especialmente lembrar do jovem Kounine, no conto “Pesadelo”... Acho engraçado que seja assim, que a boa literatura, a “literatura artística”, como ele chama, seja aquela que nos faz sofrer. Engraçado porque é um sofrer que alivia, ao invés de pesar.

Obrigada, Tchecov. Obrigada por não ser um confeiteiro.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Pequena reflexão

É lícito chamar de vida todas as horas que gastamos fazendo a manutenção da vida? E todas as horas que apenas percorremos, em modo automático, sem nenhum acontecimento, sentimento ou pensamento digno de nota? Deve ser por isso que gostamos tanto da ficção: ela é a vida condensada, livre de todas as horas inúteis que preenchem os espaços entre os verdadeiros momentos de vida.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Ciclistas na Paulista

Na semana passada, uma ciclista foi atropelada por um ônibus na Avenida Paulista e morreu. Não era uma aventureira, era uma ciclista experiente e preparada.
Além de trágico, o acidente foi um balde de água de fria. Eu, que estava ensaiando me tornar uma "bicicleteira" também, desabei depois dessa notícia.
Acredito de verdade que a bicicleta seja uma das melhores soluções pro trânsito de São Paulo e queria fazer a minha parte. Mas... e o medo? Por mais que você faça a sua parte, cumpra as regras e tome todas as providências possíveis e cabíveis para se proteger - como a Márcia fez - ainda assim você fica à mercê da selvageria (ou ignorância, ou descuido, ou o que quer que seja) dos veículos maiores. É uma grande ironia: aqueles que estão colaborando são massacrados pelos que estão atrapalhando...

Aproveito também para divulgar esse post sobre o assunto, que encontrei na rede. O texto é comovente e esclarecedor. Uma grande inspiração, se não para se tornar um ciclista, ao menos para se tornar um motorista melhor.

Se não tiver tempo de ler, veja ao menos as fotos. Elas falam por si. E lembre-se: quando passar por uma bicicleta, mantenha 1,5m de distância, no mínimo. Está na lei. E ao invés de reclamar porque teve que diminuir a velocidade, mudar de faixa, levar buzinadas, etc, lembre-se de aquele ciclista significa um carro a menos na rua. Ou seja, ele não está te atrapalhando, e sim te ajudando (mini-sermão que serve para mim, em primeiro lugar).

Enquanto não recupero a coragem para pedalar, tentarei ao menos ser uma motorista melhor.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A farsa dos cisnes

No final do ano fui com minha amiga Carina ao Teatro Municipal de São Paulo assistir ao balé O Lago dos Cisnes. O Lago dos Cisnes dispensa apresentações, certo? Todo mundo sabe que é aquele das bailarinas de tutus brancos, imitando frágeis e esbeltos cisnes num lago. A trama não tem nada de surpreendente: a personagem principal é a princesa Odette, transformada em cisne pela vilã da história, Odille, facilmente reconhecível por seu exclusivo tutu negro. Como não poderia deixar de ser, há também um príncipe para libertar a princesa de sua maldição. Existem até duas versões diferentes para o final, uma feliz e uma triste, conforme descobri recentemente no Wikipédia. Mas tramas à parte, o que interessa mesmo numa apresentação do Lago dos Cisnes, ao menos o que Carina e eu esperávamos ansiosamente ver, é aquela nuvem de bailarinas branquinhas, flutuando sobre as pontas dos pés em sincronia quase sobre-humana, e a princesa-cisne morrendo, dramaticamente, ao som da música imortal de Tchaikovsky. O que se viu naquela tarde, entretanto, foi uma patuscada em formato de dança moderna daquelas que só nossos melhores pseudo-intelectuais conseguem produzir. As sapatilhas foram substituídas por pés descalços. Os tutus brancos, por farrapos sujos. E a coreografia, por espasmos sem sentido e corpos se arrastando no chão feito vermes.

Claramente a idéia era chocar, fazer algo diametralmente oposto ao que as pessoas esperavam e assim, pressupõe-se, levá-las à reflexão. Nada contra a idéia em si. O problema é o cheiro de rebeldia sem causa que isso tudo exala. Provocar por quê? Alertar contra o que? Protestar contra o que? A fome no mundo? A guerra no Iraque? A corrupção no Brasil? O socialismo, o capitalismo, a esquerda, a direita? “A mesmice e falta de criatividade que imperam no meio artístico brasileiro?” E por que usar o Lago dos Cisnes para isso? Fui ler o programa do concerto em busca de alguma dica para decifrar esse mistério:

“Lago dos Cisnes?

Por que não dizer Pântano dos Homens? Não há, na poética de Sandro Borelli, qualquer traço contínuo que implique preceito moral, reflexão sociológica, psicológica ou teológica com a função de conduzir a narrativa. Aliás, não existe a narrativa, no sentido do desenvolvimento dramatúrgico tradicional, apenas o ato de dissecar o conteúdo emocional e/ou espiritual de uma ação, de um gesto, de uma situação ou de uma atitude que seja índice de mistérios do drama humano.”

Pântano dos Homens? Traço contínuo? Reflexão teológica? Ato de dissecar? Haja vontade de interpretar! Vejam por exemplo a primeira frase: "Não há, na poética de Sandro Borelli, qualquer traço contínuo que implique preceito moral, reflexão sociológica, psicológica ou teológica com a função de conduzir a narrativa.” Uma interpretação plausível para essa sentença é que o coreógrafo não se apóia em discussões teóricas para criar sua obra, ele utiliza outros tipos de recursos. Fica no ar, então, a pergunta: “que recursos?” A continuação natural para esta frase seria algo do tipo: “Há, sim, traços...”. O texto, porém, continua com um “aliás”, palavra que introduz uma interrupção, um comentário sobre algo que foi dito antes. Ao final do comentário, é de se esperar que o raciocínio iniciado antes continue. Mas não é o que acontece. O comentário termina, mas o raciocínio não é finalizado. O complemento pendente na frase inicial, aquilo que explicaria em que se baseia a poética de Sandro Borelli, nunca vem. Talvez, então, a explicação que eu buscava estivesse no comentário: “Aliás, não existe narrativa, no sentido de desenvolvimento dramatúrgico tradicional, apenas...”. A ausência de uma linha narrativa foi realmente muito fácil perceber. Mas o que vem em seguida, aquilo que deveria explicar o que existe no lugar da narrativa, é mais uma sentença-enigma: “...apenas o ato de dissecar o conteúdo emocional e/ou espiritual de uma ação, de um gesto, de uma situação ou de uma atitude que seja índice de mistérios do drama humano.” Difícil, não? Mais uma vez, pode-se até pensar numa interpretação plausível, algo como “o objetivo de toda aquela desordem tão cuidadosamente calculada era refletir sobre o drama humano”. Mas ainda assim fica a dúvida: que drama? O ciúme? A morte? O amor? O medo? E o que isso tem a ver com o Lago dos Cisnes???

Pensei, pensei e não cheguei a lugar nenhum. A frase inicial diz o que ele não fez, o comentário interrompe mas não acrescenta nada e a conclusão... bem, a conclusão não existe. Entenderam? A confusão do texto só reflete a confusão da peça.

Quando o espetáculo começou ainda nutri uma ingênua esperança de que aqueles seres rolando no chão estivessem representando apenas o cenário e que os verdadeiros bailarinos apareceriam logo em seguida. Mas eles não apareceram nunca. E o momento em que eu cheguei a essa conclusão foi provavelmente o mais triste da noite. Foi quando percebi que teria de ficar ali até o fim, assistindo ao brutal assassinato do Lago dos Cisnes... Onde estavam as bailarinas branquinhas? Onde estavam Odette e Odille, as mais célebres antagonistas da história do balé clássico? Talvez vendo os vídeos abaixo vocês tenham uma vaga idéia do meu desespero:

A "nuvem":






O cisne negro:


A morte de Odette:


Juro que chorei. Literalmente. Nos momentos de maior dramaticidade eu me lembrava da coreografia original (que já vi inúmeras vezes) e chorava ao ver o que estava sendo feito no palco: espasmos, ataques epiléticos, seres vestidos como mendigos rolando pelo chão, jogando a cabeça para um lado e para o outro, e de repente um deles empurra a bunda do outro com a cabeça (impagável!), e o outro dá uns pulinhos desengonçados, tudo, aliás, é propositalmente desengonçado, as pernas, por exemplo, nunca ficam completamente esticadas, e então todos param e apontam para cima, e ficam lá parados apontando para cima durante vários minutos, e você ali na platéia fica tentando entender por que eles estão apontando para cima, afinal, se eles ficam ali parados durante tanto tempo apontando para cima é porque aquilo significa alguma coisa, alguma coisa que só o coreógrafo, em sua infinita genialidade, entendeu, e assim, nessa toada, o baile dos zumbis prossegue durante quase duas horas.

Se eu soubesse de antemão que iria assistir a um espetáculo de dança moderna e se esse espetáculo não usasse o nome do balé mais famoso do mundo para se divulgar, talvez eu não tivesse ficado tão irritada. Mas descobri tardiamente que o nome do espetáculo não era Lago dos Cisnes, e sim “Lago dos Cisnes?”, assim, com ponto de interrogação. Detalhe precioso que ninguém se deu ao trabalho de mencionar no site do teatro ou no material de divulgação. No ingresso também não havia ponto de interrogação. Ou seja, uma pequena “esperteza” com o título que pouparia muita frustração, mas venderia menos ingressos...

A coreografia não era de todo ruim, devo admitir. Mas a falta de coerência da mensagem aliada à ousadia de reinventar uma obra consagrada foi fatal. Até compreendo que havia ali uma intenção, um propósito. Sandro Borelli, o coreógrafo, talvez quisesse chamar a atenção para as diferentes possibilidades de lirismo que a arte oferece. Talvez ele quisesse nos sacudir e dizer “Ei! Veja que a beleza não está apenas nos tutus brancos em perfeita sincronia. Se você olhar com calma verá que também pode existir beleza no caos”. Sim, é possível existir beleza no caos. Mas ela é tão complexa e delicada quanto a beleza da ordem, portanto não basta fazer diferente para fazer bonito. O espectador está atento e sabe quando uma idéia não tem alma.

Por tudo isso – o inesperado da obra, o mau-gosto generalizado, o engodo do título – a noite se transformou numa tortura. Saí sem aplaudir, não como forma de protesto, mas porque simplesmente não consegui aplaudir. Minha indignação era justamente a de alguém que ama a arte e leva isso muito a sério. Acredito que receber de volta os 15 reais do meu ingresso seria mais do que justo nessa situação. Mas a única coisa que realmente me consolaria seria ver o Lago dos Cisnes original, em todo o seu esplendor, sem uma gota de caos. Pelo menos existe o youtube!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Frase do ano 2008, em versões para todos os gostos

De John Lennon:

I was always a rebel. But on the other hand, I want to be loved and accepted by all facets of society and not be this loudmouth, lunatic poet-musician. But I cannot be what I am not.

Supostamente de Nietzsche (no livro "Quando Nietszche Chorou"):

Mas um das minhas sentenças de granito é: ‘Torna-te quem tu és.’

Do filme “Cartas na Mesa”:

We can't run from who we are. Our destiny chooses us.

De Leif Ove Andsnes, um dos melhores pianistas da atualidade, durante sua master class na Faculdade Santa Marcelina, em resposta ao aluno que lhe perguntara que conselho daria a quem aspirava ser pianista profissional:

Be true to yourself. Listen to what feels right.

E, para arrematar, o complemento perfeito para essas frases, adaptado do filme (excelente, aliás) The Bluetooth Virgin:

O que fazer enquanto você não se torna quem você é?