quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Resumo da Mostra

Um pouco atrasado (só um pouquinho!), segue aqui o resumo da Mostra de Cinema como vista pela Giovana, a novata:

1. O Poderoso Chefão (parte I): em uma palavra, obra-prima. O que dizer de Al Pacino na pele de Michael Corleone? Só posso dizer que largaria tudo para viver com o homem dono daquele olhar que arrebata Apollonia na vila italiana... E o que dizer do desespero ao ver Kay aceitando casar-se com Michael? Dá vontade de entrar na tela e sacudi-la até ela entender a besteira que está fazendo! E o que dizer da cena do batizado, mesclando o discurso do padre com o derramamento de sangue encomendado por Michael? E finalmente, o que dizer da porta se fechando para Kay na cena final, depois de Michael mentir para ela dizendo “Não, Kay, eu não matei meu cunhado”... Ah! Depois dessa cena, simplesmente não dá pra levantar e ir embora. A gente fica grudado na cadeira, meio catatônico, meio sem ar, com vontade de bater palmas e agradecendo a deus por ter criado Coppola e Al Pacino...

2. Sede de Paixões: minha iniciação a Bergman. Um começo um pouco difícil, devo admitir. Mais comentários no meu outro post sobre a Mostra.

3. Fim de Verão: filminho japonês da década de 60, todo chiado, parecia aquelas fitas VHS misteriosas que os caras encontram no seriado Lost, sabe? Interessante, mas nada espetacular.

4. Toda Rotina Tem Sua Beleza: idem

5. Tulpan: filme bizarro do Afeganistão. Escrevi sobre ele no meu post inicial sobre a Mostra. É uma boa experiência cultural.

6. Invisíveis: seqüência de quatro curtas sobre pessoas cujos problemas são considerados invisíveis para as pessoas acomodadas como nós. Daqueles que se propõem a mostrar o mundo cão e nos sensibilizar para isso. Pretensioso como só ele. Achei péssimo.

7. Fanny e Alexander: um dos últimos filmes de Bergman, considerado por muitos o seu melhor trabalho. Achei excepcional, embora tenha um sentimento de que fiquei apenas na superfície de um vasto oceano. É bastante coisa pra se digerir de uma vez só, inclusive algumas cenas que entram pra categoria “chuva de sapos no Magnólia”, sabe? É aquela categoria das cenas totalmente non-sense, mas que você ama mesmo assim. Enfim, ainda tenho uma longa caminhada nesse negócio de cinema...

8. A Era Dos Matadores: thriller/comédia japonesa. Achei meio “trapalhões”...

9. Confissões de Super-Heróis: excelente documentário sobre artistas que ganham a vida fantasiando-se de super-heróis e tirando fotos com turistas no Holywood Boulevard em troca de gorjetas. Tocante.

10. Teza: este sim um filme que mostra o mundo cão (a África, sempre insuperável em matéria de mundo cão) sem cair na panfletagem afetada dos Invisíveis. Algumas cenas de embrulhar o estômago, algumas cenas que fazem a gente pensar que a humanidade devia ser exterminada do planeta... Mundo cão, mas com uma mensagem de esperança no final. Belíssimo.

11. Hanami – Cerejeiras em Flor: maravilhoso. O filme se passa parte na Alemanha, parte no Japão, ou seja, mais distante do Brasil impossível. Mas por que é que eu reconheci ali todas as famílias do mundo? Como já disse no post sobre Tchecov, os conflitos não mudam com a latitude nem com a época. Uma lição de vida.

12. A Guitarra: estorinha boba sobre uma mulher que descobre que tem pouco tempo de vida por causa de um tumor no cérebro e resolve então viver intensamente o tempo que lhe resta. Um mote batido, mas com potencial. Infelizmente foi muito mal aproveitado. Não perca seu tempo.

13. Radio Corazón: filme impagável sobre um programa de radio chileno chamado Radio Corazón. Num formato bastante conhecido aqui no Brasil, o programa recebe depoimentos de pessoas que viveram desventuras amorosas. Três dessas histórias foram selecionadas e entraram no filme. Todas engraçadas, dramáticas e cheias de surpresas. Um filme delicioso.

14. The Blue Tooth Virgin: e não é que o meu favorito foi o último? O filme com a trama mais simples e corriqueira foi o que mais me agradou como um todo, talvez por vir frontalmente de encontro aos conflitos que povoam minha cabeça nos últimos tempos. De que se trata? Assistam! Um dos melhores textos que vi ultimamente.

Em companhia de Tchecov

Inicialmente Tchecov me deu pesadelos. Tudo era real demais pra ser mentira. A cada conto que lia eu ficava mais impressionada. Como é que eu podia me envolver tanto com uma estória sem final? Mas aí comecei a perceber que o que me incomodava era justamente isso: a fidelidade com que ele retratava um dos fatos mais cruéis sobre a vida, a saber, que ela sempre continua. Quando lemos uma estória, sempre esperamos uma determinada estrutura mais ou menos estabelecida. Normalmente ela apresenta um conflito, que se desenvolve, atinge um clímax e se resolve. Damos-nos por satisfeitos quando esse fechamento nos é dado, mesmo que ele seja triste, sádico, cruel ou medonho. Quando fechamos o livro, o conflito é passado. Não sofremos pensando no que irá acontecer a seguir com aquelas pessoas porque não irá acontecer nada, a história delas acabou ali. Mas a vida real... ah, a vida real tem a péssima mania de continuar. Vivemos um conflito, ele se desenvolve, atinge um clímax, se resolve, bem ou mal, e...? Acordamos e temos que continuar fazendo tudo que se espera de nós: comer, falar, dormir, pensar, comprar, pagar, arrumar, dirigir, trabalhar, teclar. Somos obrigados a “viver” novamente, como se o conflito não tivesse existido, como se não tivéssemos sido tocados no mais fundo da nossa alma, como se não tivéssemos o direito a uma pausa, a um minuto de silêncio. Ou o direito de encerrar aquele “livro” e começar outro, na pele de outra personagem. É quase um desrespeito. Mas Tchecov foi impiedoso e transportou a vida para a ficção. Exatamente como ela é: sem final.

Não surpreende, portanto, o que Tchecov diz sobre si mesmo e sobre o ato de escrever em suas cartas:

Que o mundo fervilha com escória masculina e feminina é perfeitamente verdadeiro. A natureza humana é imperfeita. Mas pensar que a missão da literatura é colher o grão puro no monte de estrume é rejeitar a própria literatura. A literatura artística é assim chamada porque descreve a vida como realmente é. Sua meta é a verdade – incondicional e genuína. Um escritor não é um confeiteiro, nem um comerciante de cosméticos, nem um artista do teatro de variedades; é um homem compelido pela necessidade de cumprir seu dever e por sua consciência. Para um químico, nada na terra é sujo. Um escritor deve ser tão objetivo quanto um químico.

Além da ausência de final, toda essa crueza também está lá: a vida como ela é. E o leitor percebe isso logo de cara e sente-se mal, sente-se nu vendo todas as suas vergonhas expostas ali sem autorização. Nossos pensamentos mais mesquinhos, nossos sentimentos mais inconfessáveis, nossa preguiça e nosso torpor diante da vida, está tudo lá. Os pecados são todos iguais, não importa a época, não importa a latitude. Mesmo nunca bebido samovar (chá) ou nunca tendo andado de carruagem, sinto na carne as dores do bispo Piotr, do professor Nikitine, do casal Laievski e Nadiedja Fiodorovna. Dói-me especialmente lembrar do jovem Kounine, no conto “Pesadelo”... Acho engraçado que seja assim, que a boa literatura, a “literatura artística”, como ele chama, seja aquela que nos faz sofrer. Engraçado porque é um sofrer que alivia, ao invés de pesar.

Obrigada, Tchecov. Obrigada por não ser um confeiteiro.