terça-feira, 17 de agosto de 2010

Flip 2010 – parte 1 – comentários não-literários

1) Tenho certeza que neste exato momento os executivos da Tickets For Fun estão reunidos pensando em como sacanear os compradores da Flip no ano que vem. É impressionante, todo ano eu me preparo com antecedência pra comprar os ingressos e todo ano eu me deparo com alguma estratégia nova do site que me impede de conseguir os ingressos que eu queria. Esse ano foi o seguinte: cada pessoa só conseguia três ingressos de cada vez. Você fazia login no site, escolhia os ingressos, colocava na cesta, mas quando tentava adicionar o quarto ingresso, o processo não funcionava mais. Eu custei a acreditar que eles tinham mesmo feito essa estupidez de limitar o número de ingressos, fiquei um tempão procurando algum jeito de incluir mais que três, conferi várias vezes pra ver se eu não estava ficando louca, se não estava deixando de ver algum ícone na página, mas não. Era isso mesmo, eles só deixavam você comprar três ingressos por vez. Se você quisesse mais que três, tinha que fazer login de novo, adicionar os novos ingressos E PAGAR UMA NOVA TAXA DE ENTREGA!!! Inacreditável. Ate agora não entendi se isso foi proposital ou se foi apenas uma política default do site que eles mantiveram pra Flip sem perceber que pra Flip essa limitação não faz o menor sentido. Quando se trata de um evento como um show, um concerto, algo assim, até entendo que exista um limite, afinal você não pode deixar uma pessoa só comprar todos os ingressos. Mas a Flip não é um evento só, a Flip é composta de vários eventos – as chamadas “mesas” de discussão com os autores – e todo mundo que vai pra Flip obviamente quer ver mais que uma, ou melhor, mais que três mesas diferentes. No fim das contas desisti do site e comprei meus ingressos por telefone. Só que o processo por telefone demora tanto que quando consegui ser atendida já não havia mais nenhum ingresso disponível pra tenda dos autores. Lamentável. Seja por estratégia, seja por incompetência, essa empresa Tickets For Fun só faz por merecer o meu mais profundo desprezo.


2) Esse ano quem forneceu o goró de graça foi a Folha. Eles montaram um estande-café com mesinhas e estantes cheias de livros que as pessoas podiam folhear ao longo do dia bebendo capuccinos de graça. E à noite, além disso, também distribuíam vinho de graça! E a distribuição, ao contrário do que eu esperaria, até que era razoavelmente civilizada. Sem mortos e feridos, apenas uma muvuquinha em torno do balcão, um pouco de paciência, e sempre dava pra conseguir uma tacinha. Logo no primeiro dia acabei trocando a palestra do Fernando Henrique por uma mesinha nesse lugar com meus amigos. Aliás, isso tem sido uma constante nas minhas viagens: as melhores lembranças são sempre de uma conversa em mesa de bar com os amigos, e não dos lugares que fui visitar...

3) Parati especializou-se tanto no público gringo que agora até as igrejas apresentam versão bilíngüe!




Infelizmente os preços também estão para gringo... A cidade está ficando cada vez mais inacessível para os pobres freqüentadores brasileiros...

4) O que mais tem em Parati além de restaurante é lojinha de artesanato. Acho engraçado como o artesanato, assim como a culinária, é uma atividade que se presta a tentativas amadoras que podem facilmente passar por profissionais. As pessoas não se aventuram a fazer coisas mais “técnicas” como consertar carros ou costurar se não tiverem formação especializada, mas ninguém parece ter o menor problema em se lançar em atividades aparentemente mais “caseiras” como gastronomia ou artesanato sem ter a menor habilidade ou treinamento na área. Fiquei pensando nisso por causa de um exemplo do extremo oposto que conheci em Parati na minha primeira Flip, que é a lojinha de artesanato Casario. As duas senhoras que trabalham nessa loja, mãe e filha, fazem os badulaques mais encantadores e bem-feitos que já vi. Chego a ficar com pena do mau-gosto e da falta de talento dos outros artesãos, ao mesmo tempo que fico aliviada por encontrar aquele oásis no meio de tanta porcariada feita para fisgar turistas incautos que acham que um toco de madeira pintado em cores brilhantes é a mais pura “arte brasileira”...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

De Nick Hornby a Guimarães Rosa

Grande Sertão: Veredas sempre esteve na minha lista do “por ler”, naquela seção especial de grandes clássicos que você não pode morrer sem ler, mas que são adiados até um momento incerto da vida em que você estará preparado para tal façanha. É aquela seção em que estão livros como Ulisses, Fausto, Em busca do tempo perdido e outros que sabidamente exigem muito do leitor, seja pela linguagem prodigiosa, seja pelo volume inacreditável de páginas. Na minha fila particular, acho que Grande Sertão estava atrás até mesmo de Ulisses. Além da conhecida fama da obra por sua dificuldade, a temática regional, da qual Guimarães Rosa é um dos grandes mestres, nunca foi o meu forte. Sertão, fazendas, jagunços, esse mundo todo sempre teve um apelo quase insignificante para a minha curiosidade. Aprendi na escola que a estória do sertanejo Riobaldo era uma das obras-primas da literatura brasileira, mas nunca tive força de vontade suficiente para conferir por mim mesma.

No entanto, minhas prioridades tiveram que ser revistas quando vi a programação de Literatura Brasileira II da faculdade. Grande Sertão será nada mais nada menos que o assunto principal do semestre. Como não faz sentido assistir às aulas sem ter lido a obra, resolvi tentar. Além disso, não há melhor oportunidade para encarar o desafio do que tendo o auxílio das aulas, não é mesmo?

Pois bem. Tomei coragem, comprei o livro num sebo, respirei fundo e abri a primeira de 608 páginas. E a experiência de destrinchar um livro árduo desses, com todas as dificuldades e reflexões que isso traz, é o que eu gostaria de compartilhar nesse post.

Os primeiros dias foram terríveis. Logo na abertura, o seguinte:

“—Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.”

Palavras que apenas prenunciavam o árduo caminho que me aguardava. Logo entendi que foi com esse estilo de linguagem que Guimarães Rosa deu voz ao sertanejo. O único problema era que a voz do sertanejo era grego para mim. Não conseguia ler mais que três páginas sem ser tomada por um sono incontrolável. Não conseguia me conectar com o mundo ali retratado, não conseguia empatizar com o narrador, na verdade acho que não conseguia nem imaginar uma cena que pudesse corresponder às palavras impressas no papel. Senti-me um pouco analfabeta, lendo e relendo algumas passagens sem conseguir extrair sentido algum. Cheguei a reler quatro, cinco vezes algumas linhas, tentando entender o que queriam dizer e, ao final, frustrada, eu só conseguia pensar: “por que escrever esta frase que ninguém vai entender, mesmo? A narrativa não mudaria em nada sem esta frase!”. Só pra dar uma idéia do que estou falando, seguem alguns trechos especialmente selecionados:

“Medo. Medo que maneia. Em esquina que me veio. Bananeira dá vento de todo lado. Homem? É coisa que treme.”

“Tudo tão ao traques de-repente, não sei, eu nem acabei o relance que me arrepiou minha idéia: que eu tinha feito grande toleima, que decerto ia ser para piorar – que foi no eu dizer que Zé Bebelo não matava os presos; (...)”


Junto com a frustração veio a culpa. Eu não posso não gostar desse livro! É um clássico, portanto se eu não estou gostando é porque não estou entendendo! Ao mesmo tempo, a cada página percorrida com tamanho esforço eu me perguntava: vale a pena? Faz sentido se esforçar para gostar de um livro? Para mim isso soava tão artificial quanto se esforçar para começar uma amizade. Ou você gosta ou não gosta de um livro. Fingir gostar apenas para agradar ao professor de literatura ou para não passar por um bronco leitor de Paulo Coelho não faz o meu estilo. Fiquei imaginando testes cegos de livros. E se alguém me desse esse livro para ler sem o nome do autor, sem capa, sem informação alguma sobre sua importância ou sua qualidade? Um livro anônimo. Seria eu capaz de perceber a grandeza da obra? Este não é um questionamento simples muito menos novo, nem serei eu a solucioná-lo. A mesma pergunta se aplica a qualquer obra de arte e não sei nem mesmo faz sentido questionar tal coisa, dado que a situação real é que temos todas essas informações e influências à nossa volta e temos que lidar com isso. Mas de qualquer forma acho interessante questionar, de tempos em tempos, as verdades estabelecidas sobre obras-primas e tentar perceber por nós mesmos o valor delas. Afinal, por que a Monalisa é tão famosa? Por que Mozart é sinônimo da forma mais elevada de música? E assim por diante.


Outro fator que acho que influencia bastante o quanto alguém gosta de um livro é a empatia do leitor com a estória. Seja um épico grego, um drama medieval ou um poema parnasiano, se o texto “falar” com o leitor, um grande passo já terá isso dado. No caso de Grande Sertão, a temática regional, associada a essa linguagem quase impenetrável, tornam praticamente impossível estabelecer uma conexão entre o livro e a sua própria vida. E enquanto eu percorria o calvário das primeiras páginas, não consegui deixar de pensar nisso, que talvez aquela estória não despertasse meu interesse porque eu não conseguia extrair dali nenhuma reflexão pessoal. Não havia nenhum ponto de contato entre o mundo do Riobaldo e o meu mundo, portanto não havia como eu me envolver com o Riobaldo. Tal pensamento só veio agravar minha crise, porque acho bastante possível que esta seja uma visão equivocada das coisas. Uma obra-prima não é uma obra-prima porque fez sentido “para mim”, e talvez eu estivesse perdendo a verdadeira essência da obra ao tentar encontrar ali ideias que viessem ao meu encontro. Talvez exista um outro jeito, mais racional e indireto, de apreciar a beleza. De alguma maneira, no entanto, ainda acredito que encontrar um sentido pessoal na arte ajuda a enxergar a totalidade sua beleza...


De qualquer forma insisti. Não dá pra desistir na primeira nem na segunda dificuldade. Se fosse assim, ninguém leria nada além de Crepúsculo ou Dan Brown. Compreendo perfeitamente que é preciso dar mais de si para chegar a recompensas maiores. Para mim, se um autor é realmente bom, ele não vai escrever difícil só por escrever. Acredito que ele tem uma razão para isso e, uma vez que você penetra essa barreira, um tesouro te aguarda, um mundo novo que só se abre para aqueles que se dispuseram ao sacrifício inicial. Prazer superficial e imediato é fácil de encontrar. Minha questão é apenas diferenciar o prazer genuíno do prazer fingido, aquele que você só “sente” porque é obrigado a sentir. Não quero terminar o livro e sair dizendo por aí que ele é mesmo uma obra-prima e que vale a pena o esforço se não sentir isso de verdade.


E pra terminar este post, uma confissão que muito me embaraça, mas que faço aproveitando este momento de sinceridade redentora: assisti recentemente a “La Dolce Vita” e quase morri de tédio... Dormi umas quatro vezes durante o filme e fiz um baita esforço pra chegar até o fim, fim este que, aliás, não entendi. Apesar de tudo, o filme marcou e eu me lembro de algumas cenas com nitidez impressionante (não, não a da fonte, que essa não vale!). Talvez eu precise rever meu conceito de “gostar”, então...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Esqueci o número 5

Acabei de me dar conta de que escrevi um post com os “4 melhores momentos” de um livro construído em cima de listas de “5 mais”. Um disparate. Felizmente, não foi difícil achar um quinto trecho para adicionar à lista. Segue aí:

5) Nesta parte do livro Rob está irritado porque Liz, a melhor amiga de sua ex-namorada, o acusa de ser um daqueles típicos homens que tem pavor de compromisso e buscam só diversão. Ele começa a pensar, então, porque nunca havia dito “Eu te amo” para Laura (a ex-namorada). Rob obviamente não era o clichê ambulante que Liz pensava e suas reflexões levam novamente à questão da busca do momento perfeito...

Dizer ‘Eu te amo’ é fácil, moleza, e quase todos os homens que eu conheço fazem isso o tempo todo. Eu agi como se não conseguisse dizer isso algumas vezes, embora eu não saiba direito o porquê. Talvez eu quisesse emprestar ao momento aquela espécie de sentimentalismo barato no melhor estilo Doris Day, talvez eu quisesse torná-lo mais memorável do que ele seria normalmente. Imagine, você está com alguém e você começa a dizer alguma coisa, aí você pára e ela diz ‘Vai, diga’, e você ‘Não, vai soar ridículo’, e ela então arranca as palavras de você, mesmo que você tivesse a intenção de dizê-las desde o início, e ela acha que tudo foi ainda mais valioso por ter sido conquistado a duras penas. Talvez ela soubesse o tempo todo que você estava brincando, mas ela não liga. É como uma frase: isso é o mais perto que qualquer um de nós chegará de um filme, aqueles poucos dias em que você compreende que gosta de alguém o suficiente para dizer a ela que a ama, e você não quer estragar o momento com um bolo de sinceridade certinha, direta e sisuda.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Highlights de "Alta Fidelidade"

Acabei de ler recentemente o livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby. A maioria das pessoas provavelmente conhece essa estória através do filme homônimo, lançado em 2000 e estrelado pelo John Cusack. Pra quem não se lembra, é o filme com o cara das infinitas listas de “5 mais”: os 5 melhores álbuns de todos os tempos, os 5 melhores filmes de guerra, as 5 melhores músicas de morte, os 5 piores términos de namoro, os 5 empregos dos seus sonhos e assim por diante. O filme é delicioso, mas o livro, pra variar, é melhor ainda. É um desses livros que pegam pessoas comuns e acontecimentos comuns e transformam tudo em algo especial, levando-nos a pensar que talvez a nossa vida, tão comum, tão parecida com a daqueles personagens, seja especial também.

Seguem alguns trechos que fui marcando ao longo da leitura porque me fizeram rir e pensar. Infelizmente não marquei tudo o que merecia ser destacado, mas o livro inteiro vale a pena. Recomendo!

1) Rob (o personagem principal), refletindo sobre o fim de relacionamento número 5 de sua listinha. Sua namorada de então, Sarah, era uma pessoa que ele achava que nunca daria o fora nele, porque eles eram muito parecidos. Ela era diferente da anterior, Charlie, que Rob considerava muita areia pro seu caminhãozinho e que, portanto, só poderia dar-lhe mesmo um pé na bunda, mais cedo ou mais tarde, como realmente aconteceu. No entanto, o inesperado acontece e Sarah também dá-lhe um pé na bunda. Inconformado, Rob conclui, então, que não é porque a Sarah não era uma “miss” como a Charlie que ele estava seguro. E coroa a sua reflexão com o seguinte pensamento:

Você corre o risco de perder qualquer pessoa com quem valha a pena estar junto, a não ser que você seja tão paranóico com isso que você escolha alguém absolutamente impossível de perder, alguém que ninguém mais no mundo poderia querer.

O triste é que já conheci pessoas assim... pessoas tão inseguras (incompreensivelmente inseguras!) que só conseguiam escolher parceiros que tinham certeza que nunca iriam perder. A um custo que, pode-se imaginar, não era barato. Vai entender...

2) Rob reflete sobre o “olhar do amor”, ou melhor, sobre a inexistência do mítico “olhar do amor”. Segundo ele, uma das coisas mais frustrantes da vida seria perceber o quanto a realidade é medíocre, desprovida de brilho, de emoções, enfim, o quanto a realidade é banal, e o quanto a gente se frustra ao esperar que ela seja perfeita e especial como a ficção. Isso me lembra aquele episódio do Sex and the City em que a Charlotte, a mais romântica das quatro amigas, pede o próprio namorado em casamento. Ela fica inconformada com isso, pensando que tinha saído tudo errado, que ele é que deveria ter feito o pedido, de joelhos, num lugar especial, do jeito que ela sempre havia sonhado. E na prática, não foi nada disso...Vendo por esse lado parece que a ficção nos presta um grande desserviço, criando em nós expectativas inatingíveis. Na vida real tudo acontece em momentos inapropriados, de forma meio aparvalhada, sem trilha sonora, com pressa, com sono, com frio, com alguma coisa nos distraindo, uma dor de dente, uma panela queimando no fogo... O pior é que mesmo quando as coisas dão errado nós ainda tentamos transformar a situação numa cena de comédia romântica. E se não funciona, continuamos frustrados. Acho que não existe nada mais difícil de se atingir do que a magia de um momento perfeito. Mas isso é assunto para um post separado. Segue o trecho:

As mulheres estão enganadas quando reclamam da imagem da mulher propagada pela mídia. Os homens entendem que nem todo mundo pode ter os peitos da Brigitte Bardot, ou o pescoço da Jamie Lee Curtis, ou o bumbum da Felicity Kendall, e nós absolutamente não nos importamos com isso. Obviamente nós preferiríamos a Kim Basinger ao invés da Hattie Jacques, do mesmo jeito que as mulheres prefeririam o Keanu Reeves ao invés do Bernard Manning, mas não é o corpo que é importante, e sim o grau de degradação que temos que aceitar. Nós homens entendemos bem rápido que as “Bond girls” estavam fora da nossa alçada, mas o fato de que as mulheres nunca olhariam para nós da maneira que Ursula Andress olhava para o Sean Connery, ou mesmo do jeito que Doris Day olhava para Rock Hudson, foi muito mais difícil de aceitar. Na verdade, acho que eu nunca aceitei.

3) Reflexões de Rob sobre inseguranças masculinas naquele departamento. Esse trecho faz parte de um capítulo hilário sobre o encontro dele com uma cantora, em que ele descreve, mais uma vez com muita inteligência, a mediocridade deprimente da vida real. Num filme mais convencional, a situação seria descrita como o encontro de dois amantes fogosos, fora de controle, que não pensam em nada, apenas fazem. Ali, ele estava realmente preocupado com o papelão que faria se a blusa que ele estava usando enroscasse na cabeça quando ele fosse tirá-la. É o típico anti-romantismo da realidade!

Veja todas as coisas que podem dar errado pro homem. Existe o problema de “simplesmente nada acontecer”; existe o problema de “acontecer rápido demais”; existe o problema de “acontecer muito pouco após um começo promissor”; existe o problema do “tamanho não importa, exceto no seu caso”, existe o problema de ela não chegar lá... e enquanto isso, o que as mulheres têm para se preocupar? Um punhado de celulite? Bem-vindas ao clube.

4) Rob também tem seus dilemas no lado profissional. Neste episódio, ele reflete sobre um evento que vai promover em sua loja de discos e sobre o quanto isso o assustava. Talvez o trecho abaixo soe um pouco obscuro para a maioria das pessoas. Para mim, fez todo o sentido. Sei exatamente do que ele está falando quando diz que é perigoso se envolver de verdade com algo. Se você investe de verdade em algum projeto, se diz pra si mesmo “é isso que eu quero fazer”, dá tudo de si e no final fracassa, o que sobra de você? Às vezes é mais seguro não dar o máximo, assim se as coisas derem errado você ainda tem uma desculpa. Viagem?...

É uma coisa de nada, esse show. No fim das contas será apenas meia dúzia de músicas ao violão, na frente de meia dúzia de gatos pingados. O que me deprime é o quanto eu vibrei com o montante ridículo de preparativos (alguns pôsteres, meia dúzia de telefonemas para conseguir umas fitas) que isso envolveu. E se eu estiver para descobrir que não estou satisfeito com o meu quinhão? O que faço, aí? A idéia de que a quantidade de ... de vida que eu tenho no prato não seja suficiente para me completar é assustadora.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

É possível fazer amigos depois dos 30 anos?

Essa pergunta já vinha me rondando há algum tempo, mas só recentemente tive coragem de formulá-la, assim, inteira, do jeito que está aí no título. Não é uma pergunta fácil de se encarar. E foi na esteira dessa reflexão que saiu aquele post sobre o Legião Urbana – basicamente um surto de nostalgia posto pra fora num momento de solidão.

Pare para pensar e responda: onde e quando você conheceu seus amigos mais próximos? Deixe-me adivinhar: foi na faculdade, no colégio ou em alguma atividade que você fazia na época do colégio ou faculdade. Noventa por cento de chance de ter sido numa dessas situações. Os outros dez por cento deixo para o trabalho. É possível fazer amizades no trabalho, também, mas dificilmente como as outras, eu diria.

O que acontece, afinal, após certa fase da vida, que nos isola num mundo restrito criado por nós mesmos? Marido, esposa, namorado, namorada, a família de ambos, filhos, eventualmente, colegas de trabalho e os amigos antigos: é como se uma fase da vida tivesse sido cumprida. Após anos em desenvolvimento, chega-se a uma “estabilidade relacional”. Dependendo do ponto-de-vista, poderia até soar como algo desejável. Mas não é assustador, também, imaginar que você nunca mais vai se aproximar tanto de alguém a ponto de chamá-lo realmente de amigo? Sim, é possível que isso não seja verdade. Talvez aos sessenta anos, olhando em retrospectiva, a percepção seja diferente. Talvez tenha sido apenas uma fase. Talvez novos ciclos se iniciem, com pessoas e acontecimentos inesperados. Mas isso não muda o fenômeno que constatei hoje: algo mudou. Algo que me fez tomar consciência da amizade. E agora estou aqui tentando analisar sistematicamente a amizade. Estou escrevendo um post para entender os mecanismos por trás de uma amizade. Isso é um problema. Quando a dúvida se coloca, não há mais volta. Existe algo errado.

Vejam, por exemplo, o seguinte caso que ouvi de um amigo recentemente. Fulano trabalhou por algum tempo com uma pessoa muito interessante, com quem parecia ter muitas afinidades. Depois de um tempo, porém, essa pessoa mudou de emprego e eles não se encontraram mais. Fulano pensou: “Puxa, Ciclano tinha tudo pra se tornar um grande amigo, pena que não trabalhamos mais juntos... Será que eu deveria tentar manter contato? Tenho o e-mail dele, telefone, é só marcar de se encontrar. Ah, mas isso daria tanto trabalho...”
Exato. Daria muito trabalho. E aos trinta e poucos anos não temos mais tempo e disposição para empreitadas desse tipo, não é? Não, não vou continuar esse texto com a conclusão padrão de que a vida moderna acaba com as relações, ninguém tem mais tempo pra nada etc, etc etc. Na verdade acho que o problema vai muito além disso. O problema já começa no fato de ter que pensar sobre isso. Afinal, onde é que já se viu ter que PLANEJAR uma amizade? A partir do momento em que uma pessoa vislumbra essa possibilidade, eu acho que existe algo de errado, sim.

Depois de ouvir essa história eu parei pra pensar e vi que em meu círculo de conhecidos atual também há muitas pessoas que teriam potencial para se tornarem amigos de verdade, mas nunca se tornaram. Por quê? Invariavelmente a resposta incluirá a palavra “tempo”. Sem dúvida nenhuma eu tenho pouco tempo livre para “investir” em novas amizades. Mas vamos supor que eu tivesse. Vamos supor que eu trabalhasse apenas dois dias por semana e tivesse tempo livre suficiente para gastar nas coisas que me interessam. Será que isso resolveria o problema? Eu acho que não. De novo, acho que a partir do momento em que se pensa, conscientemente, em se tornar amigo de alguém, a magia já foi quebrada. E nenhuma amizade que se preze pode resultar disso.

Mas então como recuperar a espontaneidade perdida? Seria possível voltar aos tempos áureos da adolescência, em que as amizades simplesmente aconteciam, sem que ninguém precisasse pensar em como e por que aconteceu? Seria tudo uma questão de timing? Em outras palavras, existiria uma “janela de oportunidade” para as amizades verdadeiras que, uma vez ultrapassada, tornaria impossível a inclusão de novas pessoas?

Não surpreende que, diante dessas perguntas, alguém tenha surtos de saudade do Legião Urbana...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Existe algo mais inútil que a poesia?

A poesia não cura pessoas.

A poesia não extrai petróleo nem constrói aviões.

A poesia não faz fusões e aquisições, não acalma o mercado, não fortalece o dólar e provavelmente não está muito interessada em fazer IPO.

Não aumenta a eficiência de nada, não corta gastos, não redesenha processos, não elimina desperdícios. Ela É um desperdício gritante. Quase uma ofensa.

A poesia não tem conexão 3G, GPS, wireless. Não faz planilhas nem relatórios e recusa-se a participar de reuniões.

Ela não conserta nada, não facilita nada, não melhora nada.

Então por que não acabar com ela? Não, não posso, pois a rebeldia é o melhor de mim. Prefiro oferecer, descaradamente, um pouco de inutilidade ao mundo:

Hino nacional

Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Há tempos

A vida adulta às vezes me absorve tanto que eu acabo esquecendo que tive uma adolescência. Hoje, ao ouvir no rádio uma música do Legião Urbana, ela voltou de um golpe só e eu fiquei meio sem ar. Onde foi parar aquela pessoa? Tenho a sensação de que aquilo tudo aconteceu em outra vida, em outro lugar muito distante. Lembrei especialmente da minha melhor amiga na época e da veneração juvenil que a gente compartilhava pelo Renato Russo. O mundo parecia tão grande e tão complicado, ele era o único que parecia entender o que a gente sentia, com aquelas músicas de dois acordes e letras meio melodramáticas. Nossos problemas adolescentes eram, acima de tudo, muito importantes. As amizades, os grupinhos na escola e na rua, as pessoas que se bicavam e as que não se bicavam, os pais opressores, os romances platônicos, os sonhos para o futuro, ainda tão sem forma, mas sempre grandiosos. A gente esperava muito. Toda aquela provação da adolescência parecia ser uma preparação para o que estava por vir, para a “vida de verdade”, fosse isso lá o que fosse. Tudo era muito intenso, essa parece ser a diferença para os dias de hoje. Tenho a impressão que o mundo adulto dilui as sensações, em meio a doses crescentes de café, contas de banco que se multiplicam, decisões que se atropelam, caminhos que se escolhem por si só, pessoas que entram e saem das nossas vidas numa velocidade cada vez maior. As coisas perdem nitidez, perdem importância. E compartilhamos cada vez menos.
Rê, sinto muito, aquela pessoa não existe mais. Mas a pessoa que está aqui hoje ainda se lembra. Espero que você esteja bem.