terça-feira, 17 de agosto de 2010

Flip 2010 – parte 1 – comentários não-literários

1) Tenho certeza que neste exato momento os executivos da Tickets For Fun estão reunidos pensando em como sacanear os compradores da Flip no ano que vem. É impressionante, todo ano eu me preparo com antecedência pra comprar os ingressos e todo ano eu me deparo com alguma estratégia nova do site que me impede de conseguir os ingressos que eu queria. Esse ano foi o seguinte: cada pessoa só conseguia três ingressos de cada vez. Você fazia login no site, escolhia os ingressos, colocava na cesta, mas quando tentava adicionar o quarto ingresso, o processo não funcionava mais. Eu custei a acreditar que eles tinham mesmo feito essa estupidez de limitar o número de ingressos, fiquei um tempão procurando algum jeito de incluir mais que três, conferi várias vezes pra ver se eu não estava ficando louca, se não estava deixando de ver algum ícone na página, mas não. Era isso mesmo, eles só deixavam você comprar três ingressos por vez. Se você quisesse mais que três, tinha que fazer login de novo, adicionar os novos ingressos E PAGAR UMA NOVA TAXA DE ENTREGA!!! Inacreditável. Ate agora não entendi se isso foi proposital ou se foi apenas uma política default do site que eles mantiveram pra Flip sem perceber que pra Flip essa limitação não faz o menor sentido. Quando se trata de um evento como um show, um concerto, algo assim, até entendo que exista um limite, afinal você não pode deixar uma pessoa só comprar todos os ingressos. Mas a Flip não é um evento só, a Flip é composta de vários eventos – as chamadas “mesas” de discussão com os autores – e todo mundo que vai pra Flip obviamente quer ver mais que uma, ou melhor, mais que três mesas diferentes. No fim das contas desisti do site e comprei meus ingressos por telefone. Só que o processo por telefone demora tanto que quando consegui ser atendida já não havia mais nenhum ingresso disponível pra tenda dos autores. Lamentável. Seja por estratégia, seja por incompetência, essa empresa Tickets For Fun só faz por merecer o meu mais profundo desprezo.


2) Esse ano quem forneceu o goró de graça foi a Folha. Eles montaram um estande-café com mesinhas e estantes cheias de livros que as pessoas podiam folhear ao longo do dia bebendo capuccinos de graça. E à noite, além disso, também distribuíam vinho de graça! E a distribuição, ao contrário do que eu esperaria, até que era razoavelmente civilizada. Sem mortos e feridos, apenas uma muvuquinha em torno do balcão, um pouco de paciência, e sempre dava pra conseguir uma tacinha. Logo no primeiro dia acabei trocando a palestra do Fernando Henrique por uma mesinha nesse lugar com meus amigos. Aliás, isso tem sido uma constante nas minhas viagens: as melhores lembranças são sempre de uma conversa em mesa de bar com os amigos, e não dos lugares que fui visitar...

3) Parati especializou-se tanto no público gringo que agora até as igrejas apresentam versão bilíngüe!




Infelizmente os preços também estão para gringo... A cidade está ficando cada vez mais inacessível para os pobres freqüentadores brasileiros...

4) O que mais tem em Parati além de restaurante é lojinha de artesanato. Acho engraçado como o artesanato, assim como a culinária, é uma atividade que se presta a tentativas amadoras que podem facilmente passar por profissionais. As pessoas não se aventuram a fazer coisas mais “técnicas” como consertar carros ou costurar se não tiverem formação especializada, mas ninguém parece ter o menor problema em se lançar em atividades aparentemente mais “caseiras” como gastronomia ou artesanato sem ter a menor habilidade ou treinamento na área. Fiquei pensando nisso por causa de um exemplo do extremo oposto que conheci em Parati na minha primeira Flip, que é a lojinha de artesanato Casario. As duas senhoras que trabalham nessa loja, mãe e filha, fazem os badulaques mais encantadores e bem-feitos que já vi. Chego a ficar com pena do mau-gosto e da falta de talento dos outros artesãos, ao mesmo tempo que fico aliviada por encontrar aquele oásis no meio de tanta porcariada feita para fisgar turistas incautos que acham que um toco de madeira pintado em cores brilhantes é a mais pura “arte brasileira”...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

De Nick Hornby a Guimarães Rosa

Grande Sertão: Veredas sempre esteve na minha lista do “por ler”, naquela seção especial de grandes clássicos que você não pode morrer sem ler, mas que são adiados até um momento incerto da vida em que você estará preparado para tal façanha. É aquela seção em que estão livros como Ulisses, Fausto, Em busca do tempo perdido e outros que sabidamente exigem muito do leitor, seja pela linguagem prodigiosa, seja pelo volume inacreditável de páginas. Na minha fila particular, acho que Grande Sertão estava atrás até mesmo de Ulisses. Além da conhecida fama da obra por sua dificuldade, a temática regional, da qual Guimarães Rosa é um dos grandes mestres, nunca foi o meu forte. Sertão, fazendas, jagunços, esse mundo todo sempre teve um apelo quase insignificante para a minha curiosidade. Aprendi na escola que a estória do sertanejo Riobaldo era uma das obras-primas da literatura brasileira, mas nunca tive força de vontade suficiente para conferir por mim mesma.

No entanto, minhas prioridades tiveram que ser revistas quando vi a programação de Literatura Brasileira II da faculdade. Grande Sertão será nada mais nada menos que o assunto principal do semestre. Como não faz sentido assistir às aulas sem ter lido a obra, resolvi tentar. Além disso, não há melhor oportunidade para encarar o desafio do que tendo o auxílio das aulas, não é mesmo?

Pois bem. Tomei coragem, comprei o livro num sebo, respirei fundo e abri a primeira de 608 páginas. E a experiência de destrinchar um livro árduo desses, com todas as dificuldades e reflexões que isso traz, é o que eu gostaria de compartilhar nesse post.

Os primeiros dias foram terríveis. Logo na abertura, o seguinte:

“—Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.”

Palavras que apenas prenunciavam o árduo caminho que me aguardava. Logo entendi que foi com esse estilo de linguagem que Guimarães Rosa deu voz ao sertanejo. O único problema era que a voz do sertanejo era grego para mim. Não conseguia ler mais que três páginas sem ser tomada por um sono incontrolável. Não conseguia me conectar com o mundo ali retratado, não conseguia empatizar com o narrador, na verdade acho que não conseguia nem imaginar uma cena que pudesse corresponder às palavras impressas no papel. Senti-me um pouco analfabeta, lendo e relendo algumas passagens sem conseguir extrair sentido algum. Cheguei a reler quatro, cinco vezes algumas linhas, tentando entender o que queriam dizer e, ao final, frustrada, eu só conseguia pensar: “por que escrever esta frase que ninguém vai entender, mesmo? A narrativa não mudaria em nada sem esta frase!”. Só pra dar uma idéia do que estou falando, seguem alguns trechos especialmente selecionados:

“Medo. Medo que maneia. Em esquina que me veio. Bananeira dá vento de todo lado. Homem? É coisa que treme.”

“Tudo tão ao traques de-repente, não sei, eu nem acabei o relance que me arrepiou minha idéia: que eu tinha feito grande toleima, que decerto ia ser para piorar – que foi no eu dizer que Zé Bebelo não matava os presos; (...)”


Junto com a frustração veio a culpa. Eu não posso não gostar desse livro! É um clássico, portanto se eu não estou gostando é porque não estou entendendo! Ao mesmo tempo, a cada página percorrida com tamanho esforço eu me perguntava: vale a pena? Faz sentido se esforçar para gostar de um livro? Para mim isso soava tão artificial quanto se esforçar para começar uma amizade. Ou você gosta ou não gosta de um livro. Fingir gostar apenas para agradar ao professor de literatura ou para não passar por um bronco leitor de Paulo Coelho não faz o meu estilo. Fiquei imaginando testes cegos de livros. E se alguém me desse esse livro para ler sem o nome do autor, sem capa, sem informação alguma sobre sua importância ou sua qualidade? Um livro anônimo. Seria eu capaz de perceber a grandeza da obra? Este não é um questionamento simples muito menos novo, nem serei eu a solucioná-lo. A mesma pergunta se aplica a qualquer obra de arte e não sei nem mesmo faz sentido questionar tal coisa, dado que a situação real é que temos todas essas informações e influências à nossa volta e temos que lidar com isso. Mas de qualquer forma acho interessante questionar, de tempos em tempos, as verdades estabelecidas sobre obras-primas e tentar perceber por nós mesmos o valor delas. Afinal, por que a Monalisa é tão famosa? Por que Mozart é sinônimo da forma mais elevada de música? E assim por diante.


Outro fator que acho que influencia bastante o quanto alguém gosta de um livro é a empatia do leitor com a estória. Seja um épico grego, um drama medieval ou um poema parnasiano, se o texto “falar” com o leitor, um grande passo já terá isso dado. No caso de Grande Sertão, a temática regional, associada a essa linguagem quase impenetrável, tornam praticamente impossível estabelecer uma conexão entre o livro e a sua própria vida. E enquanto eu percorria o calvário das primeiras páginas, não consegui deixar de pensar nisso, que talvez aquela estória não despertasse meu interesse porque eu não conseguia extrair dali nenhuma reflexão pessoal. Não havia nenhum ponto de contato entre o mundo do Riobaldo e o meu mundo, portanto não havia como eu me envolver com o Riobaldo. Tal pensamento só veio agravar minha crise, porque acho bastante possível que esta seja uma visão equivocada das coisas. Uma obra-prima não é uma obra-prima porque fez sentido “para mim”, e talvez eu estivesse perdendo a verdadeira essência da obra ao tentar encontrar ali ideias que viessem ao meu encontro. Talvez exista um outro jeito, mais racional e indireto, de apreciar a beleza. De alguma maneira, no entanto, ainda acredito que encontrar um sentido pessoal na arte ajuda a enxergar a totalidade sua beleza...


De qualquer forma insisti. Não dá pra desistir na primeira nem na segunda dificuldade. Se fosse assim, ninguém leria nada além de Crepúsculo ou Dan Brown. Compreendo perfeitamente que é preciso dar mais de si para chegar a recompensas maiores. Para mim, se um autor é realmente bom, ele não vai escrever difícil só por escrever. Acredito que ele tem uma razão para isso e, uma vez que você penetra essa barreira, um tesouro te aguarda, um mundo novo que só se abre para aqueles que se dispuseram ao sacrifício inicial. Prazer superficial e imediato é fácil de encontrar. Minha questão é apenas diferenciar o prazer genuíno do prazer fingido, aquele que você só “sente” porque é obrigado a sentir. Não quero terminar o livro e sair dizendo por aí que ele é mesmo uma obra-prima e que vale a pena o esforço se não sentir isso de verdade.


E pra terminar este post, uma confissão que muito me embaraça, mas que faço aproveitando este momento de sinceridade redentora: assisti recentemente a “La Dolce Vita” e quase morri de tédio... Dormi umas quatro vezes durante o filme e fiz um baita esforço pra chegar até o fim, fim este que, aliás, não entendi. Apesar de tudo, o filme marcou e eu me lembro de algumas cenas com nitidez impressionante (não, não a da fonte, que essa não vale!). Talvez eu precise rever meu conceito de “gostar”, então...