quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Pequena reflexão

É lícito chamar de vida todas as horas que gastamos fazendo a manutenção da vida? E todas as horas que apenas percorremos, em modo automático, sem nenhum acontecimento, sentimento ou pensamento digno de nota? Deve ser por isso que gostamos tanto da ficção: ela é a vida condensada, livre de todas as horas inúteis que preenchem os espaços entre os verdadeiros momentos de vida.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Ciclistas na Paulista

Na semana passada, uma ciclista foi atropelada por um ônibus na Avenida Paulista e morreu. Não era uma aventureira, era uma ciclista experiente e preparada.
Além de trágico, o acidente foi um balde de água de fria. Eu, que estava ensaiando me tornar uma "bicicleteira" também, desabei depois dessa notícia.
Acredito de verdade que a bicicleta seja uma das melhores soluções pro trânsito de São Paulo e queria fazer a minha parte. Mas... e o medo? Por mais que você faça a sua parte, cumpra as regras e tome todas as providências possíveis e cabíveis para se proteger - como a Márcia fez - ainda assim você fica à mercê da selvageria (ou ignorância, ou descuido, ou o que quer que seja) dos veículos maiores. É uma grande ironia: aqueles que estão colaborando são massacrados pelos que estão atrapalhando...

Aproveito também para divulgar esse post sobre o assunto, que encontrei na rede. O texto é comovente e esclarecedor. Uma grande inspiração, se não para se tornar um ciclista, ao menos para se tornar um motorista melhor.

Se não tiver tempo de ler, veja ao menos as fotos. Elas falam por si. E lembre-se: quando passar por uma bicicleta, mantenha 1,5m de distância, no mínimo. Está na lei. E ao invés de reclamar porque teve que diminuir a velocidade, mudar de faixa, levar buzinadas, etc, lembre-se de aquele ciclista significa um carro a menos na rua. Ou seja, ele não está te atrapalhando, e sim te ajudando (mini-sermão que serve para mim, em primeiro lugar).

Enquanto não recupero a coragem para pedalar, tentarei ao menos ser uma motorista melhor.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A farsa dos cisnes

No final do ano fui com minha amiga Carina ao Teatro Municipal de São Paulo assistir ao balé O Lago dos Cisnes. O Lago dos Cisnes dispensa apresentações, certo? Todo mundo sabe que é aquele das bailarinas de tutus brancos, imitando frágeis e esbeltos cisnes num lago. A trama não tem nada de surpreendente: a personagem principal é a princesa Odette, transformada em cisne pela vilã da história, Odille, facilmente reconhecível por seu exclusivo tutu negro. Como não poderia deixar de ser, há também um príncipe para libertar a princesa de sua maldição. Existem até duas versões diferentes para o final, uma feliz e uma triste, conforme descobri recentemente no Wikipédia. Mas tramas à parte, o que interessa mesmo numa apresentação do Lago dos Cisnes, ao menos o que Carina e eu esperávamos ansiosamente ver, é aquela nuvem de bailarinas branquinhas, flutuando sobre as pontas dos pés em sincronia quase sobre-humana, e a princesa-cisne morrendo, dramaticamente, ao som da música imortal de Tchaikovsky. O que se viu naquela tarde, entretanto, foi uma patuscada em formato de dança moderna daquelas que só nossos melhores pseudo-intelectuais conseguem produzir. As sapatilhas foram substituídas por pés descalços. Os tutus brancos, por farrapos sujos. E a coreografia, por espasmos sem sentido e corpos se arrastando no chão feito vermes.

Claramente a idéia era chocar, fazer algo diametralmente oposto ao que as pessoas esperavam e assim, pressupõe-se, levá-las à reflexão. Nada contra a idéia em si. O problema é o cheiro de rebeldia sem causa que isso tudo exala. Provocar por quê? Alertar contra o que? Protestar contra o que? A fome no mundo? A guerra no Iraque? A corrupção no Brasil? O socialismo, o capitalismo, a esquerda, a direita? “A mesmice e falta de criatividade que imperam no meio artístico brasileiro?” E por que usar o Lago dos Cisnes para isso? Fui ler o programa do concerto em busca de alguma dica para decifrar esse mistério:

“Lago dos Cisnes?

Por que não dizer Pântano dos Homens? Não há, na poética de Sandro Borelli, qualquer traço contínuo que implique preceito moral, reflexão sociológica, psicológica ou teológica com a função de conduzir a narrativa. Aliás, não existe a narrativa, no sentido do desenvolvimento dramatúrgico tradicional, apenas o ato de dissecar o conteúdo emocional e/ou espiritual de uma ação, de um gesto, de uma situação ou de uma atitude que seja índice de mistérios do drama humano.”

Pântano dos Homens? Traço contínuo? Reflexão teológica? Ato de dissecar? Haja vontade de interpretar! Vejam por exemplo a primeira frase: "Não há, na poética de Sandro Borelli, qualquer traço contínuo que implique preceito moral, reflexão sociológica, psicológica ou teológica com a função de conduzir a narrativa.” Uma interpretação plausível para essa sentença é que o coreógrafo não se apóia em discussões teóricas para criar sua obra, ele utiliza outros tipos de recursos. Fica no ar, então, a pergunta: “que recursos?” A continuação natural para esta frase seria algo do tipo: “Há, sim, traços...”. O texto, porém, continua com um “aliás”, palavra que introduz uma interrupção, um comentário sobre algo que foi dito antes. Ao final do comentário, é de se esperar que o raciocínio iniciado antes continue. Mas não é o que acontece. O comentário termina, mas o raciocínio não é finalizado. O complemento pendente na frase inicial, aquilo que explicaria em que se baseia a poética de Sandro Borelli, nunca vem. Talvez, então, a explicação que eu buscava estivesse no comentário: “Aliás, não existe narrativa, no sentido de desenvolvimento dramatúrgico tradicional, apenas...”. A ausência de uma linha narrativa foi realmente muito fácil perceber. Mas o que vem em seguida, aquilo que deveria explicar o que existe no lugar da narrativa, é mais uma sentença-enigma: “...apenas o ato de dissecar o conteúdo emocional e/ou espiritual de uma ação, de um gesto, de uma situação ou de uma atitude que seja índice de mistérios do drama humano.” Difícil, não? Mais uma vez, pode-se até pensar numa interpretação plausível, algo como “o objetivo de toda aquela desordem tão cuidadosamente calculada era refletir sobre o drama humano”. Mas ainda assim fica a dúvida: que drama? O ciúme? A morte? O amor? O medo? E o que isso tem a ver com o Lago dos Cisnes???

Pensei, pensei e não cheguei a lugar nenhum. A frase inicial diz o que ele não fez, o comentário interrompe mas não acrescenta nada e a conclusão... bem, a conclusão não existe. Entenderam? A confusão do texto só reflete a confusão da peça.

Quando o espetáculo começou ainda nutri uma ingênua esperança de que aqueles seres rolando no chão estivessem representando apenas o cenário e que os verdadeiros bailarinos apareceriam logo em seguida. Mas eles não apareceram nunca. E o momento em que eu cheguei a essa conclusão foi provavelmente o mais triste da noite. Foi quando percebi que teria de ficar ali até o fim, assistindo ao brutal assassinato do Lago dos Cisnes... Onde estavam as bailarinas branquinhas? Onde estavam Odette e Odille, as mais célebres antagonistas da história do balé clássico? Talvez vendo os vídeos abaixo vocês tenham uma vaga idéia do meu desespero:

A "nuvem":






O cisne negro:


A morte de Odette:


Juro que chorei. Literalmente. Nos momentos de maior dramaticidade eu me lembrava da coreografia original (que já vi inúmeras vezes) e chorava ao ver o que estava sendo feito no palco: espasmos, ataques epiléticos, seres vestidos como mendigos rolando pelo chão, jogando a cabeça para um lado e para o outro, e de repente um deles empurra a bunda do outro com a cabeça (impagável!), e o outro dá uns pulinhos desengonçados, tudo, aliás, é propositalmente desengonçado, as pernas, por exemplo, nunca ficam completamente esticadas, e então todos param e apontam para cima, e ficam lá parados apontando para cima durante vários minutos, e você ali na platéia fica tentando entender por que eles estão apontando para cima, afinal, se eles ficam ali parados durante tanto tempo apontando para cima é porque aquilo significa alguma coisa, alguma coisa que só o coreógrafo, em sua infinita genialidade, entendeu, e assim, nessa toada, o baile dos zumbis prossegue durante quase duas horas.

Se eu soubesse de antemão que iria assistir a um espetáculo de dança moderna e se esse espetáculo não usasse o nome do balé mais famoso do mundo para se divulgar, talvez eu não tivesse ficado tão irritada. Mas descobri tardiamente que o nome do espetáculo não era Lago dos Cisnes, e sim “Lago dos Cisnes?”, assim, com ponto de interrogação. Detalhe precioso que ninguém se deu ao trabalho de mencionar no site do teatro ou no material de divulgação. No ingresso também não havia ponto de interrogação. Ou seja, uma pequena “esperteza” com o título que pouparia muita frustração, mas venderia menos ingressos...

A coreografia não era de todo ruim, devo admitir. Mas a falta de coerência da mensagem aliada à ousadia de reinventar uma obra consagrada foi fatal. Até compreendo que havia ali uma intenção, um propósito. Sandro Borelli, o coreógrafo, talvez quisesse chamar a atenção para as diferentes possibilidades de lirismo que a arte oferece. Talvez ele quisesse nos sacudir e dizer “Ei! Veja que a beleza não está apenas nos tutus brancos em perfeita sincronia. Se você olhar com calma verá que também pode existir beleza no caos”. Sim, é possível existir beleza no caos. Mas ela é tão complexa e delicada quanto a beleza da ordem, portanto não basta fazer diferente para fazer bonito. O espectador está atento e sabe quando uma idéia não tem alma.

Por tudo isso – o inesperado da obra, o mau-gosto generalizado, o engodo do título – a noite se transformou numa tortura. Saí sem aplaudir, não como forma de protesto, mas porque simplesmente não consegui aplaudir. Minha indignação era justamente a de alguém que ama a arte e leva isso muito a sério. Acredito que receber de volta os 15 reais do meu ingresso seria mais do que justo nessa situação. Mas a única coisa que realmente me consolaria seria ver o Lago dos Cisnes original, em todo o seu esplendor, sem uma gota de caos. Pelo menos existe o youtube!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Frase do ano 2008, em versões para todos os gostos

De John Lennon:

I was always a rebel. But on the other hand, I want to be loved and accepted by all facets of society and not be this loudmouth, lunatic poet-musician. But I cannot be what I am not.

Supostamente de Nietzsche (no livro "Quando Nietszche Chorou"):

Mas um das minhas sentenças de granito é: ‘Torna-te quem tu és.’

Do filme “Cartas na Mesa”:

We can't run from who we are. Our destiny chooses us.

De Leif Ove Andsnes, um dos melhores pianistas da atualidade, durante sua master class na Faculdade Santa Marcelina, em resposta ao aluno que lhe perguntara que conselho daria a quem aspirava ser pianista profissional:

Be true to yourself. Listen to what feels right.

E, para arrematar, o complemento perfeito para essas frases, adaptado do filme (excelente, aliás) The Bluetooth Virgin:

O que fazer enquanto você não se torna quem você é?