sexta-feira, 18 de junho de 2010

É possível fazer amigos depois dos 30 anos?

Essa pergunta já vinha me rondando há algum tempo, mas só recentemente tive coragem de formulá-la, assim, inteira, do jeito que está aí no título. Não é uma pergunta fácil de se encarar. E foi na esteira dessa reflexão que saiu aquele post sobre o Legião Urbana – basicamente um surto de nostalgia posto pra fora num momento de solidão.

Pare para pensar e responda: onde e quando você conheceu seus amigos mais próximos? Deixe-me adivinhar: foi na faculdade, no colégio ou em alguma atividade que você fazia na época do colégio ou faculdade. Noventa por cento de chance de ter sido numa dessas situações. Os outros dez por cento deixo para o trabalho. É possível fazer amizades no trabalho, também, mas dificilmente como as outras, eu diria.

O que acontece, afinal, após certa fase da vida, que nos isola num mundo restrito criado por nós mesmos? Marido, esposa, namorado, namorada, a família de ambos, filhos, eventualmente, colegas de trabalho e os amigos antigos: é como se uma fase da vida tivesse sido cumprida. Após anos em desenvolvimento, chega-se a uma “estabilidade relacional”. Dependendo do ponto-de-vista, poderia até soar como algo desejável. Mas não é assustador, também, imaginar que você nunca mais vai se aproximar tanto de alguém a ponto de chamá-lo realmente de amigo? Sim, é possível que isso não seja verdade. Talvez aos sessenta anos, olhando em retrospectiva, a percepção seja diferente. Talvez tenha sido apenas uma fase. Talvez novos ciclos se iniciem, com pessoas e acontecimentos inesperados. Mas isso não muda o fenômeno que constatei hoje: algo mudou. Algo que me fez tomar consciência da amizade. E agora estou aqui tentando analisar sistematicamente a amizade. Estou escrevendo um post para entender os mecanismos por trás de uma amizade. Isso é um problema. Quando a dúvida se coloca, não há mais volta. Existe algo errado.

Vejam, por exemplo, o seguinte caso que ouvi de um amigo recentemente. Fulano trabalhou por algum tempo com uma pessoa muito interessante, com quem parecia ter muitas afinidades. Depois de um tempo, porém, essa pessoa mudou de emprego e eles não se encontraram mais. Fulano pensou: “Puxa, Ciclano tinha tudo pra se tornar um grande amigo, pena que não trabalhamos mais juntos... Será que eu deveria tentar manter contato? Tenho o e-mail dele, telefone, é só marcar de se encontrar. Ah, mas isso daria tanto trabalho...”
Exato. Daria muito trabalho. E aos trinta e poucos anos não temos mais tempo e disposição para empreitadas desse tipo, não é? Não, não vou continuar esse texto com a conclusão padrão de que a vida moderna acaba com as relações, ninguém tem mais tempo pra nada etc, etc etc. Na verdade acho que o problema vai muito além disso. O problema já começa no fato de ter que pensar sobre isso. Afinal, onde é que já se viu ter que PLANEJAR uma amizade? A partir do momento em que uma pessoa vislumbra essa possibilidade, eu acho que existe algo de errado, sim.

Depois de ouvir essa história eu parei pra pensar e vi que em meu círculo de conhecidos atual também há muitas pessoas que teriam potencial para se tornarem amigos de verdade, mas nunca se tornaram. Por quê? Invariavelmente a resposta incluirá a palavra “tempo”. Sem dúvida nenhuma eu tenho pouco tempo livre para “investir” em novas amizades. Mas vamos supor que eu tivesse. Vamos supor que eu trabalhasse apenas dois dias por semana e tivesse tempo livre suficiente para gastar nas coisas que me interessam. Será que isso resolveria o problema? Eu acho que não. De novo, acho que a partir do momento em que se pensa, conscientemente, em se tornar amigo de alguém, a magia já foi quebrada. E nenhuma amizade que se preze pode resultar disso.

Mas então como recuperar a espontaneidade perdida? Seria possível voltar aos tempos áureos da adolescência, em que as amizades simplesmente aconteciam, sem que ninguém precisasse pensar em como e por que aconteceu? Seria tudo uma questão de timing? Em outras palavras, existiria uma “janela de oportunidade” para as amizades verdadeiras que, uma vez ultrapassada, tornaria impossível a inclusão de novas pessoas?

Não surpreende que, diante dessas perguntas, alguém tenha surtos de saudade do Legião Urbana...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Existe algo mais inútil que a poesia?

A poesia não cura pessoas.

A poesia não extrai petróleo nem constrói aviões.

A poesia não faz fusões e aquisições, não acalma o mercado, não fortalece o dólar e provavelmente não está muito interessada em fazer IPO.

Não aumenta a eficiência de nada, não corta gastos, não redesenha processos, não elimina desperdícios. Ela É um desperdício gritante. Quase uma ofensa.

A poesia não tem conexão 3G, GPS, wireless. Não faz planilhas nem relatórios e recusa-se a participar de reuniões.

Ela não conserta nada, não facilita nada, não melhora nada.

Então por que não acabar com ela? Não, não posso, pois a rebeldia é o melhor de mim. Prefiro oferecer, descaradamente, um pouco de inutilidade ao mundo:

Hino nacional

Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

(Carlos Drummond de Andrade)