As pessoas da minha geração, em maior ou menor grau, parecem seguir um mesmo padrão histórico. Tenho a impressão de que somos todos o que chamarei aqui de “terceira geração”. De acordo com esta minha teoria, nossas histórias familiares seguiram mais ou menos a seguinte trajetória:
A primeira geração era rural, pobre e iletrada. Seriam os primeiros descendentes de imigrantes (ou também migrantes), sem nenhuma formação, nenhuma educação, nenhum patrimônio e muitos filhos. Com muito sacrifício eles conseguiram criar esses filhos, com um ou outro ficando pelo caminho e, eventualmente, mudaram-se para a cidade onde os filhos puderam ter acesso a educação.
A segunda geração já era urbana, talvez ainda nascida na roça, mas já criada na cidade. Estas pessoas conseguiram estudar, às custas de muito sacrifício de seus pais, e algumas chegaram até mesmo à faculdade. Com isso conseguiram trabalhos melhores e passaram a ter um padrão de vida mais elevado. Não tinham ambições maiores do que esta, sua grande conquista foi quebrar o ciclo de miséria em que seus pais viveram e estabelecer um novo padrão. Manter e proteger esse padrão passou a ser, então, o seu grande objetivo.
A terceira geração foi o “auge” dessa evolução. Com pais que valorizavam a educação e o conforto, essas crianças cresceram cercadas de cuidados e tendo acesso à melhor educação possível, de acordo com as possibilidades de seus pais. Sem o “medo da fome” que seus pais carregavam consigo, elas desenvolveram ambições maiores e passaram a questionar a atitude conservadora e avessa ao risco de seus pais. Trabalhar durante toda a vida numa grande empresa ganhando o que no jargão daquela geração se chamava “um bom salário” deixou de ser motivo de orgulho e, se não virou motivo de desprezo, ao menos deixou de ser um objetivo inquestionável.
Esta última geração, a meu ver, somos nós, e por “nós” aqui entendo “pessoas da região sul/sudeste, de classe média, entre 20 e 40 anos de idade”. É claro que podem existir muitas variações a esta sequência, mas tendo a acreditar que, com uma diferença ou outra, a maioria das histórias se deu mais ou menos assim.
E daí, alguém poderia perguntar? O que isso muda na minha vida? De imediato creio que não muda nada, mas, dependendo de como essa idéia for digerida, pode-se mudar o jeito de encarar o mundo. Parece-me um tanto atordoante pensar que não sou um ser único e exclusivo, mas sim um fruto das circunstâncias. E muito parecido, aliás, com os outros frutos das mesmas circunstâncias. Ou seja, tudo que sou e faço hoje tem a ver com a trajetória da minha família e do meu país. E sabendo disso posso então perguntar: para onde estamos indo? Qual é o próximo passo? Como será a próxima geração? E a seguinte? E como será o Brasil dessas pessoas? E como será o mundo em que esse Brasil estará inserido? E o que essas pessoas vão pensar de mim quando olharem para trás? Qual terá sido o meu papel nessa trajetória?
Se por um lado isso tira a liberdade que eu achava que tinha, por outro me resgata uma dignidade que perdi tentando viver histórias que não eram minhas. Este é meu tempo, e nenhum outro. Este é meu lugar, e nenhum outro.
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3 comentários:
Bem Gi, pode me adicionar na sua estatística da terceira geração...
A trajetória de vida da minha família, tanto paterna quanto materna, estão descritas em seu relato.
Definitivamente faço parte da terceira geração.
Excelente texto Gi!
É sempre emocianante ver alguém engendrando a psico-história.
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