sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O milagre da língua

Quanto mais estudo esse negócio de línguas mais eu me surpreendo. É fascinante esse sistema que os humanos desenvolveram pra se comunicar. E acho que só se tem uma noção da dimensão desse fenômeno quando se estuda pra valer uma segunda língua. Existe tanta coisa pra se nomear! E as coisas podem ser nomeadas de tantas maneiras diferentes que dominar uma segunda língua parece missão impossível. Você estuda, estuda, estuda e sempre descobre novos jeitos de dizer a mesma coisa. Ou ainda descobre novas coisas para dizer, coisas que a sua primeira língua não te permitia dizer, ou, no limite, não te permitia nem pensar.
Veja, por exemplo, a palavra "andar". Quantas maneiras diferentes existem para se referir ao ato de andar? Em português eu poderia dizer andar, caminhar, correr, trotar, arrastar-se, marchar, etc. Em inglês, pegando do meu melhor-amigo-dicionário, olha isso:

stride: to walk with long steps
march: to walk with regular steps (like a soldier)
stroll, wander: to walk slowly for pleasure
tramp: to walk with slow, heavy steps
shuffle: to walk slowly by sliding your feet along instead of lifting them from the ground
creep: to move very quietly and carefully, often with your body in a low position so that nobody will notice you
prowl: to walk or move quietly, in a suspicious way
paddle: to walk with bare feet in shallow water
wade: to walk with difficulty through deep water, mud, etc
stagger: to walk in an unsteady way as if you could fall at any moment
limp: to walk in an uneven way because you have hurt your leg or foot

Fico me perguntando como é que nos primórdios da humanidade nossos antepassados chegaram à conclusão de que precisavam de uma palavra específica para comunicar a idéia de "caminhar de maneira instável como se você pudesse cair a qualquer momento"! Eu consigo conceber a necessidade de uma palavra para a idéia de colocar um pé na frente do outro continuamente para se locomover, ou seja, "andar". Mas daí para o nível de refinamento a que chegamos no inglês, por exemplo, é difícil de imaginar. Tenho até medo de pensar quantas palavras diferentes existem para "andar" em alemão.

Em Linguística I, começamos a estudar a língua como ciência e aprendemos algumas noções sobre aquisição de linguagem. E chamam a atenção alguns fatos que, depois de explicitados parecem óbvios, mas que tenho certeza que ninguém nunca parou pra pensar. Por exemplo, todo ser humano sabe uma língua. Não existe nenhum ser humano (excetuados casos de doença, claro) que não tenha aprendido uma língua. Existe um monte de gente que não sabe escrever, isso sim, mas que não saiba falar não existe. Civilações isoladas, sem escrita, aborígenes, clãs isolados no Tibet ou no Uzbequistão, todos sabem se comunicar seguindo as regras da sua língua. Outro fato interessante: mesmo os falantes considerados iletrados possuem regras. A gente tende a pensar que fora dos limites da norma culta impera o caos e cada um fala como quer. E claro, quanto menos conhecimento uma pessoa tivesse da norma culta, mais caótico seria o seu discurso. Nada disso. Vi inúmeros exemplos de regras que todos os falantes seguem, inconscientemente, sem nunca terem estudado, sem nunca terem sido ensinados, sem nunca terem pensando a respeito.

E isso é só o começo. Por mais que saiba que existe uma explicação (e eu quero buscá-la), não consigo deixar de notar algo de milagroso nisso tudo!

Um comentário:

Toni Barros disse...

Nossa, eu ainda me lembro da aula em que aprendi esses verbos!

Tinha mais um, swagger, que quer dizer "andar de maneira arrogante, pomposa", ou algo assim.

E lembro-me de ter lido que os esquimós têm mais de 20 palavras diferentes para "neve".