A melhor coisa no filme Ensaio sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, é relembrar o livro Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago.
Obviamente o livro é melhor, mas isso não é demérito, afinal seria impossível ser diferente. Assim como Einstein provou que nada no universo pode se mover com velocidade maior que a da luz, um dia alguém também provará que é impossível um filme ser melhor que o livro correspondente. São as leis do universo.
Algumas situações do livro, por exemplo, foram cortadas. É compreensível. Mesmo com essa redução, a narrativa já ficou um pouco corrida. Você mal acaba de digerir uma cena e logo em seguida já vem outra, de maior impacto, numa velocidade que acaba comprometendo seu envolvimento com o absurdo crescente dos acontecimentos. Mas nada que comprometa a mensagem, tudo que era importante estava lá.
O real mérito do filme, a meu ver, é ser extremamente fiel ao livro, muito mais do que se costuma ver em adaptações semelhantes. Impressionante, por exemplo, como o sanatório era igualzinho ao que eu tinha imaginado. Será que todo mundo imaginou do mesmo jeito??
Justamente por isso, o maior prazer que tive ao ver o filme foi o de apreciar mais uma vez a genialidade do Saramago. À parte todas as limitações que o formato de filme impõe, foi maravilhoso reviver situações que eu já havia esquecido desde a época em que li o livro. Os santos com os olhos cobertos de branco nas igrejas, as mulheres voltando do estupro e lavando, como numa cerimônia religiosa, a que tinha sido morta na selvageria, as mulheres tomando banho na varanda e redescobrindo a própria dignidade... A pessoa que imaginou essas cenas enxerga tão fundo na alma humana que eu duvido que ela mesma tenha noção do significado profundamente revelador que isso tem para nós. Esse tipo de auto-consciência eleva a espécie humana a outro patamar. Saí do cinema feliz por viver na mesma época e no mesmo mundo que o Saramago. Saí feliz até mesmo por pertencer à mesma espécie que ele.
E só pra matar a saudade do gênio, um trechinho que resume brilhantemente a moral da estória:
“(…) mas quando a aflição aperta, quando o corpo se nos desmanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos.”
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