sábado, 27 de setembro de 2008

Filme da vez: Na Natureza Selvagem

Aparentemente não é só para mim que este é o filme da vez, mas para um monte de gente aí fora. Pelo menos três amigos diferentes me recomendaram este filme recentemente. E para conseguir alugá-lo, tive que fazer reserva em duas locadoras e esperar mais de uma semana. O boca a boca está fazendo efeito.

Não é para menos, o filme é magnífico.

Para não perder muito tempo contando do que se trata, já que o assunto aqui é outro, copio descaradamente a sinopse do imdb:

“After graduating from Emory University, top student and athlete Christopher McCandless abandons his possessions, gives his entire $24,000 savings account to charity and hitchhikes to Alaska to live in the wilderness. Along the way, Christopher encounters a series of characters that shape his life.”

Eu poderia discorrer por vários parágrafos sobre as qualidades do filme. A esplêndida fotografia, e não daquele tipo que é apenas exibicionismo gratuito do diretor de fotografia, mas sim do tipo que é fundamental para a história; a trilha sonora perfeita feita por encomenda por Eddie Vedder (e como ele estava inspirado!); o roteiro irretocável em cada diálogo, em cada monólogo, em cada silêncio, do início ao fim; as atuações tocantes de todos os atores, desde o principal, até cada coadjuvante, mesmo os que aparecem apenas por alguns minutos na tela. Uma aula de cinema dada pelo sr. Sean Penn.

Mas não é por isso que esse filme é importante. Ele é importante simplesmente por ter sido feito e por ter sido feito agora. Penso que não foi por acaso que aquele rapaz fez o que fez. Assim como não é por acaso que eu estou fazendo o que estou fazendo. Não somos aberrações, somos frutos do nosso tempo. Apesar de ainda estarmos engatinhado (todos nós) nesse planeta, estamos crescendo e aprendendo e rápido.

Não é coincidência. Algo está no ar. Pare e veja e sinta e ouça. O mundo está mudando e os sinais estão por todas as partes.

Uma palavra

Servilismo. Uma palavra e milhões de pensamentos.
Eu buscava, inconscientemente, essa palavra há muito tempo. E hoje ela me foi dada, de graça. Foi dita rapidamente, passando despercebida por quase todo mundo. Mas em mim, causou um turbilhão de pensamentos. Pensamentos que eu nem sequer sei começar a pensar.

Uma perspectiva cósmica

Ontem de manhã tomei café numa padaria chamada Marco Polo. Na parede havia uma simpática placa contando os feitos de Marco Polo. Segundo a placa, ele viajou à Ásia e trouxe para a Europa novidades inimagináveis na época, como a pólvora, o macarrão e a bússola. Isso foi no século XIII. Muito tempo atrás? Parei pra pensar nisso e fui divagando, divagando, até que meu cérebro, depois de abastecido com um pouco de cafeína, foi recair numa frase do livro Quando Nietszche Chorou, que dizia o seguinte: “Uma perspectiva cósmica sempre atenua a tragédia. Se subirmos bastante, atingiremos uma altura da qual a tragédia deixará de parecer tragédia.”

Perspectiva cósmica... essa expressão colou em mim desde que li o livro e nunca mais saiu. E agora retorna, quando vejo a placa sobre Marco Polo numa singela padaria. Se foi no século XIII que ele viveu, faz uns 800 anos, certo? É tanto tempo assim? Você tem certeza? Quantos anos durará a espécie humana sobre a terra? Não pude deixar de me fazer esta pergunta. Talvez um asteróide nos destrua no próximo século, talvez nós mesmos nos matemos em guerras sangrentas, talvez o aquecimento global cause uma nova era glacial e nos dizime muito antes disso. Mas talvez, e esta é uma possibilidade tão concreta quanto todas as outras, nós ainda vivamos aqui por centenas, talvez milhares de outros séculos. E é aí que entra a perspectiva cósmica! Você já parou pra imaginar que nós podemos estar na infância da espécie humana? Pare um minuto e pense nisto como um fato. Numa história de, vamos chutar, 100 mil anos, faz pouco mais de 500 anos que os humanos conhecem o planeta todo! Marco Polo foi um dos primeiros europeus a visitar a Ásia. Antes dele, e até mesmo muito depois dele, aquilo era como outro planeta para os europeus. A América, então, ficava depois do fim do mundo, onde a terra acabava e os navios caíam para fora do planeta! Os índios aqui não sabiam da existência dos europeus e vice-versa. E hoje voamos pra lá e pra cá, pro Alaska e pra Antártida, conversamos com amigos na Austrália, em Dubai, na Suíça, nos EUA e na Amazônia. Mas até outro dia, nossos antepassados nem sabiam da existência uns dos outros! Isso não faz você se sentir ridículo?? Imagine como você pensaria se fosse um humano do ano 82327, olhando pra trás, para o ano de 2008 D.C. “Uns merdinhas que mal tinham acabado de descobrir o próprio planeta... e tão, tão preocupados com as tragédias de seu tempo, e tão, tão arrogantes com as novidades do seu tempo...” O quê? Eu, com meu lindo e todo-poderoso Iphone, um primata?!! Pois é... não é muito agradável pensar em si mesmo como um homem das cavernas, não é? Mas a idéia da perspectiva cósmica pode ser também reconfortante. Olhando desse jeito, toda a crise financeira iniciada nos EUA, a guerra no Iraque, a fome na África, o crescimento da China, a corrupção no Brasil, tudo isso não parece muito pequeno? Quantos impérios nascerão e morrerão em tantos anos de história que estão por vir? Quantos povos dominarão e quantos outros serão dominados e quantas vezes esses papéis serão invertidos?

Aos poucos, porém, fui deixando de lado essa reflexão maluca e voltando à minha micro realidade, o café, o pão-de-queijo, a chuva do lado de fora, o bilhete de metrô que eu precisava comprar... Mas o riso não saiu do meu rosto pelo resto do dia. Eu tenho essa virtude, eu acho, de saber rir de mim mesma. E a idéia de que até 500 anos atrás as pessoas da minha espécie não conheciam o próprio planeta é mesmo muito engraçada!

Disco da vez: In Rainbows

Desde que ouvi In Rainbows, o último CD do Radiohead, pela primeira vez, não consegui mais largá-lo. Foi amor à primeira escuta. E um amor que se modifica e se renova a cada vez que o CD dá a volta. Quase todas as canções já tiveram a sua vez como “preferida”. E cada vez que as ouço percebo novos detalhes e novas interpretações, mostrando que o processo de descoberta ainda está longe de terminar...

O CD foi lançado há quase um ano, é uma vergonha que só agora eu tenha me dado o trabalho de escutá-lo. Na época a maior surpresa foi a forma não convencional do lançamento: eles colocaram o CD à disposição para download no site e qualquer um podia baixá-lo pagando a quantia que achasse justa (sim, zero era considerado justo também!). Mais uma vez pensei comigo mesma, “esses caras são geniais”... Mas eu mesma enrolei para acessar o site, e quando fui fazê-lo, meses depois, já não estava mais disponível. Não importa, talvez eu não estivesse mesmo pronta pra ouvi-lo naquela época. E os R$29,90 que paguei agora foram mais do que justos.

Cada música tem suas próprias surpresas. A delicadeza de Nude, a batida hipnotizante e deliciosa de House of Cards, entremeada por aqueles sons fantasmagóricos (e olha que de sons fantasmagóricos eles entendem!), o jogo de palavras perfeitamente planejado e executado (“what you ought to, what you ought to...”) de Faust Arp, junto com aqueles violinos, a fúria adolescente de Jigsaws Falling Into Place (aliás, what the hell significa este título???) seguido pelo final em ritmo de marcha fúnebre, mas belo e otimista de Videotape... É um disco imperdível.

Também aumenta cada vez mais minha admiração pelo Tom Yorke como vocalista. A maneira como ele domina cada palavra que está sendo dita e acrescenta, assim, uma camada a mais à música, é para poucos. O melhor exemplo é a doçura infinita com que ele canta os versos nada doces de Faust Arp (“I’m stuffed, stuffed, stuffed...” ).

Eu não me atreveria a interpretar as letras, mas algumas frases são inspiradas demais pra passar despercebidas. Dentro ou fora de contexto, são daquele tipo que fazem você sentir que sabe exatamente do que o cara está falando:

De Weird Fish/Arpeggi:

“Everybody leaves
If they get the chance
And this is my chance”

De All I need:

“I am all the days that you choose to ignore”

A minha preferida, de Nude:

"Now that you’ve found it, it’s gone
Now that you feel it, you don’t "


E o contraponto entre o primeiro e o último verso do CD:

“How come I end up where I started
How come I end up where I went wrong”

Contra:

“I won't be afraid
Because I know today has been
The most perfect day I've ever seen”

Não dá pra dizer que foi proposital. Mas mesmo que tenha sido mera coincidência, só vem mostrar que quem é bom, faz coisa boa até sem querer.

Eu não esperava menos do Radiohead, é claro. Engraçado que eu os venero tanto que quando alguém me pergunta que tipo de música eu gosto de ouvir dificilmente eu menciono o Radiohead. Não sei, eu sinto como se incluí-los no rol comum das bandas que eu gosto fosse quase um desrespeito. Mais de uma vez, numa dessas conversas com pessoas que você está ainda conhecendo, já me peguei “censurando” o Radiohead e pensando “não, acho que ainda não confio o suficiente nessa pessoa para que ela mereça saber sobre isso”. Certos tesouros a gente só pode entregar depois de muita confiança. Minha relação com o Radiohead é um deles.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Espírito do momento *

Se eu tenho a Clarice Lispector como porta-voz, será que preciso dizer mais alguma coisa?
Trecho da crônica “Noveleta”, de 24 de janeiro de 1970:

“Suponho que, arbitrariamente contrariando o sentido real da história, eu de algum modo já me prometia por escrito que o ócio, mais que o trabalho, me daria as grandes recompensas gratuitas, as únicas a que eu aspirava. É possível também que já então meu tema de vida fosse a irrazoável esperança, e que eu já tivesse iniciado a minha grande obstinação: eu daria tudo o que era meu por nada. Ao contrário do trabalhador da história, na composição eu sacudia dos ombros todos os deveres e dela saía livre e pobre, e com um tesouro na mão.”

* ou será que este sempre foi o espírito??

Tese sobre e Abraão e Isaac

Somente quando se está disposto a abandonar tudo o que foi conquistado, é que o ciclo se fecha.
Assim se explica, finalmente, a sombria e inquietante estória de Abraão e Isaac.
Abraão era um homem temente a deus que queria muito ter um filho, mas sua esposa Sara era estéril. Quando ele já estava bem velhinho, deus resolve operar um milagre e Sara engravida. Ela dá à luz Isaac, realizando assim o sonho do velho homem. Quando Isaac já é um adulto, Deus resolve testar a fé de Abraão e pede-lhe que ofereça seu filho em sacrifício. Abraão, como era temente a deus, resolve obedecer, e prepara tudo para a morte de seu filho. Na última hora, porém, desce um anjo dos céus e diz “pára tudo, pára tudo, deus já entendeu que você tem fé!” E deus recompensa abundantemente a fé incondicional de Abraão.
Era só uma metáfora!
Entendeu?
Atingir os objetivos é apenas metade do caminho. A vitória só é completa quando se aprende a renunciar ao objetivo tão duramente conquistado, por amor.

domingo, 21 de setembro de 2008

Ensaio sobre a Cegueira, uma única queixa

Fiquei na dúvida se valeria a pena fazer uma crítica técnica ao filme. A força da mensagem é tão grande que parece mesquinharia reparar em detalhes técnicos. Acabei optando por fazer este comentário, mas num post separado.
É o seguinte: como é que o Fernando Meirelles perdeu a oportunidade de colocar uma trilha sonora arrebatadora nesse filme??? Justamente no campo em que o cinema ganha terreno com relação à literatura, eles jogaram pra perder?? Não compreendo.
Achei a trilha sonora fraquíssima, com uma carga emocional muito aquém da requerida pelas imagens correspondentes e, em alguns casos, até descasada com o clima.
Uma decepção.
Entendo que exista um grau dificuldade maior em encontrar canções com carga emocional à altura das situações criadas pelo Saramago, mas, como amante da música que sou, fã de malucos como Beethoven e Radiohead, garanto que essas músicas existem.

Ensaio sobre a Cegueira, o filme

A melhor coisa no filme Ensaio sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles, é relembrar o livro Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago.
Obviamente o livro é melhor, mas isso não é demérito, afinal seria impossível ser diferente. Assim como Einstein provou que nada no universo pode se mover com velocidade maior que a da luz, um dia alguém também provará que é impossível um filme ser melhor que o livro correspondente. São as leis do universo.
Algumas situações do livro, por exemplo, foram cortadas. É compreensível. Mesmo com essa redução, a narrativa já ficou um pouco corrida. Você mal acaba de digerir uma cena e logo em seguida já vem outra, de maior impacto, numa velocidade que acaba comprometendo seu envolvimento com o absurdo crescente dos acontecimentos. Mas nada que comprometa a mensagem, tudo que era importante estava lá.
O real mérito do filme, a meu ver, é ser extremamente fiel ao livro, muito mais do que se costuma ver em adaptações semelhantes. Impressionante, por exemplo, como o sanatório era igualzinho ao que eu tinha imaginado. Será que todo mundo imaginou do mesmo jeito??
Justamente por isso, o maior prazer que tive ao ver o filme foi o de apreciar mais uma vez a genialidade do Saramago. À parte todas as limitações que o formato de filme impõe, foi maravilhoso reviver situações que eu já havia esquecido desde a época em que li o livro. Os santos com os olhos cobertos de branco nas igrejas, as mulheres voltando do estupro e lavando, como numa cerimônia religiosa, a que tinha sido morta na selvageria, as mulheres tomando banho na varanda e redescobrindo a própria dignidade... A pessoa que imaginou essas cenas enxerga tão fundo na alma humana que eu duvido que ela mesma tenha noção do significado profundamente revelador que isso tem para nós. Esse tipo de auto-consciência eleva a espécie humana a outro patamar. Saí do cinema feliz por viver na mesma época e no mesmo mundo que o Saramago. Saí feliz até mesmo por pertencer à mesma espécie que ele.

E só pra matar a saudade do gênio, um trechinho que resume brilhantemente a moral da estória:

“(…) mas quando a aflição aperta, quando o corpo se nos desmanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos.”

domingo, 7 de setembro de 2008

“O Procurado”: um conto de fadas moderno

Vi hoje no cinema “O Procurado”, com Angelina Jolie e Morgan Freeman.
Escolhi este filme ludibriada por mim mesma. Não sei por que eu tinha certeza de que se tratava de outro filme e por isso nem me preocupei em ler a sinopse. Se tivesse lido, com certeza não teria ido. O filme todo é uma grande bobagem. E não é que eu não goste de ver uma bobagem de vez em quando, mas é preciso estar no espírito.
Não haviam se passado ainda 10 minutos de filme e eu já tinha a classificação perfeita para ele: conto de fadas moderno. Um sujeito totalmente insignificante leva uma vida miserável num emprego mortalmente entediante e se pergunta todos os dias se é possível que sua vida seja realmente tão patética e que ele realmente não se importe com isso. Até que um dia aparece ninguém mais ninguém menos que Angelina Jolie dizendo-lhe que não, ele não era insignificante! Ele era, na verdade, um homem com habilidades especialíssimas destinado a salvar a humanidade.
Ao invés de princesas subjugadas por madrastas malvadas ou amaldiçoadas por feiticeiras invejosas, a heroína aqui é o trabalhador insípido, humilhado todos os dias por uma chefe mais assustadora que qualquer bruxa já inventada pela literatura. E o príncipe encantado é a musa dos sonhos de dez entre dez homens atualmente, Angelina Jolie, que o resgata desse pesadelo da insignificância cavalgando uma BMW vermelha. O mote é o mesmo de incontáveis outros filmes e seriados. “Heroes”, por exemplo, é construído quase que exclusivamente sobre esse tema da necessidade incurável que temos de ser especiais, e extrai daí boa parte de sua empatia com o público.
Nada contra contos de fadas. Mas a má notícia é: se sua vida parece patética e insignificante, provavelmente ela é mesmo. E a Angelina Jolie e o Brad Pitt não vão aparecer pra te salvar.
Pelo menos no finalzinho o filme aparentemente “reajusta a mensagem” e se redime um pouco. Depois que tudo desmorona – inclusive a Angelina Jolie – o personagem central se vira para o público e diz algo do tipo: “Eu assumi o controle da minha vida. E você, está fazendo o que?”
Outra grande bobagem, esta não tão inofensiva, é a tal da Fraternidade. A idéia de que alguns seres humanos são “especiais” e por isso têm “licença para matar”, em nome de um ideal maior ou em nome do que quer que seja, já causou muita estupidez nesse mundo. A trajetória desesperadora de Raskolnikov em Crime e Castigo, por exemplo, mostra brilhantemente a falácia deste raciocínio. Se obras-primas já foram escritas a esse respeito, acho impressionante – e perigoso – que algumas pessoas ainda se deixem seduzir por essa idéia. E que elas tenham dinheiro para divulgá-la em superproduções holywoodianas que são vistas no mundo inteiro. Não quero inventar teorias da conspiração, o filme não é panfletário, é entretenimento e nada mais. Mas é preciso estar atento, pois às vezes é da maneira mais inocente que se insinuam as idéias mais perversas.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008