sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Bibliografia do semestre

O que ando lendo para alimentar as minhocas na minha cabeça:

Em IEL (Estudos Literários), estamos na fase “contos”. Entre os que já lemos ou ainda vamos ler estão:·

O espelho, O Enfermeiro e A Causa Secreta, todos de Machado de Assis;·

A Queda Da Casa De Usher (Edgard Allan Poe);·

O Travesseiro De Plumas (Horácio Quiroga);·

O Capote e O Nariz (ambos de Nikolai Gogol);·

Colinas Parecendo Elefantes Brancos (Ernest Hemingway)·

O Acontecimento (Anton Tchekov).

Tudo isso acompanhado de infinitos textos da teoria literária sobre tempo, espaço, foco narrativo, etc. Na falta de tempo para dar conta de tudo, é claro que os contos acabam passando na frente dos textos... No final do semestre passaremos à análise do romance e então deveremos ler Madame Bovary. Se alguém tiver esse livro, aliás, e puder me emprestar, já agradeço!

Em IEC (Estudos Clássicos), já lemos a tragédia Édipo Rei, de Sófocles (sensacional!) e agora estamos na comédia Anfitrião, de Plauto. Antes de tudo, porém, começamos com A Arte Poética de Aristóteles, uma espécie de manual de como contar histórias. Com certeza foi a leitura mais útil do ano. Todas as matérias usam esse tratado como referência e, a meu ver, de George Lucas a Glória Perez, todo mundo segue os preceitos aristotélicos pra escrever suas histórias.

Em Lingüística, ficamos com o manual básico de lingüística II. Na verdade essa matéria tem pouca teoria e muito exercício, mas tem sido divertido decifrar trechos de línguas como Pocomchi, da Guatemala, Olsk, da Sibéria e Popoluca da Serra (México).

Fora isso, tenho tentado “relaxar” lendo Musashi, um célebre romance épico baseado na história japonesa. Na cabeceira da cama mantenho sempre também a coletânea de crônicas A Descoberta do Mundo, de Clarice Lispector, do qual, aliás, já saíram muitos posts para este Blog. Comecei a ler (e estava gostando) Deus é um Delírio, do Richard Dawkins, cuja palestra assisti na Flip deste ano, mas acho que só vou conseguir terminá-lo nas férias.

Acho que é isso.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Entendendo meu tempo e meu lugar

As pessoas da minha geração, em maior ou menor grau, parecem seguir um mesmo padrão histórico. Tenho a impressão de que somos todos o que chamarei aqui de “terceira geração”. De acordo com esta minha teoria, nossas histórias familiares seguiram mais ou menos a seguinte trajetória:

A primeira geração era rural, pobre e iletrada. Seriam os primeiros descendentes de imigrantes (ou também migrantes), sem nenhuma formação, nenhuma educação, nenhum patrimônio e muitos filhos. Com muito sacrifício eles conseguiram criar esses filhos, com um ou outro ficando pelo caminho e, eventualmente, mudaram-se para a cidade onde os filhos puderam ter acesso a educação.

A segunda geração já era urbana, talvez ainda nascida na roça, mas já criada na cidade. Estas pessoas conseguiram estudar, às custas de muito sacrifício de seus pais, e algumas chegaram até mesmo à faculdade. Com isso conseguiram trabalhos melhores e passaram a ter um padrão de vida mais elevado. Não tinham ambições maiores do que esta, sua grande conquista foi quebrar o ciclo de miséria em que seus pais viveram e estabelecer um novo padrão. Manter e proteger esse padrão passou a ser, então, o seu grande objetivo.

A terceira geração foi o “auge” dessa evolução. Com pais que valorizavam a educação e o conforto, essas crianças cresceram cercadas de cuidados e tendo acesso à melhor educação possível, de acordo com as possibilidades de seus pais. Sem o “medo da fome” que seus pais carregavam consigo, elas desenvolveram ambições maiores e passaram a questionar a atitude conservadora e avessa ao risco de seus pais. Trabalhar durante toda a vida numa grande empresa ganhando o que no jargão daquela geração se chamava “um bom salário” deixou de ser motivo de orgulho e, se não virou motivo de desprezo, ao menos deixou de ser um objetivo inquestionável.

Esta última geração, a meu ver, somos nós, e por “nós” aqui entendo “pessoas da região sul/sudeste, de classe média, entre 20 e 40 anos de idade”. É claro que podem existir muitas variações a esta sequência, mas tendo a acreditar que, com uma diferença ou outra, a maioria das histórias se deu mais ou menos assim.

E daí, alguém poderia perguntar? O que isso muda na minha vida? De imediato creio que não muda nada, mas, dependendo de como essa idéia for digerida, pode-se mudar o jeito de encarar o mundo. Parece-me um tanto atordoante pensar que não sou um ser único e exclusivo, mas sim um fruto das circunstâncias. E muito parecido, aliás, com os outros frutos das mesmas circunstâncias. Ou seja, tudo que sou e faço hoje tem a ver com a trajetória da minha família e do meu país. E sabendo disso posso então perguntar: para onde estamos indo? Qual é o próximo passo? Como será a próxima geração? E a seguinte? E como será o Brasil dessas pessoas? E como será o mundo em que esse Brasil estará inserido? E o que essas pessoas vão pensar de mim quando olharem para trás? Qual terá sido o meu papel nessa trajetória?

Se por um lado isso tira a liberdade que eu achava que tinha, por outro me resgata uma dignidade que perdi tentando viver histórias que não eram minhas. Este é meu tempo, e nenhum outro. Este é meu lugar, e nenhum outro.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O melhor requisito já escrito

(Desu, essa é pra você!)

1) Todo é o que tem princípio, meio e fim.

2) O princípio é o que não vem necessariamente depois de alguma coisa; aquilo depois do qual é natural que haja ou se produza outra coisa.

3) O fim é o contrário: produz-se depois de outra coisa, quer necessariamente, quer segundo o curso ordinário, mas depois dele nada ocorre.

4) O meio é o que vem depois de uma coisa e é seguido de outra.

(Aristóteles, em A Arte Poética)

Queria ver dar confusão entre fornecedor e cliente se o Aristóteles estivesse escrevendo os requisitos!!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ensinar/Aprender II

Tenho usufruido de uma posição privilegiada ultimamente: sou aluna e professora ao mesmo tempo. E através dos meus professores, consigo enxergar muitos dos erros que cometo como professora. O que de maneira alguma implica em corrigí-los. Não é de hoje que eu sei que reconhecer o errado é uma coisa mas descobrir o certo é oooooooutra coisa...

Numa da aulas de Literatura, por exemplo, cheguei a ficar com pena da professora - muito jovem para uma professora universitária, aliás, talvez esse fosse o problema - que tentava a duras penas nos conduzir pelos meandros da interpretação de um conto. Como boa professora que era, ela tentava fazer os alunos percorrerem por si os caminhos do raciocínio que levariam aos conceitos que ela tentava apresentar. Um professor preguiçoso simplesmente apresentaria os conceitos e pronto: "aceitem, é isso aí, sem mais discussões". Muito louvável o esforço dela, na teoria isso é perfeito. Mas na prática.... como é difícil! Ela perguntava A e os alunos respondiam B, ela perguntava 1 e os alunos respondiam 2. Ela reformulava as perguntas de todas as maneiras possíveis, dava todas as dicas possíveis, fazia o máximo esforço para indicar o caminho sem dar a resposta e a gente nada: só comentários estúpidos. O pior é isso, nós, os alunos, estávamos nos esforçando, mas só conseguíamos fugir mais e mais do assunto.

É uma situação complicada. Também já passei por isso, preparando altas estratégias para levar o aluno a tirar suas próprias conclusões, mas quando chega a hora, ele sempre dá um jeito de mandar sua estratégia pro espaço. Você prepara todo o terreno para ele dizer X. Você espera que ele diga X, assim você pode levá-lo à conclusão Y. Mas ele não diz X, ele diz @#$%*^%$! E para onde vai a conclusão Y? Melhor não responder...

Enfim, com a experiência talvez isso melhore.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Kafkando

Ai que saudade de escrever no blog... Tanta coisa pra falar, tantas idéias que vão surgindo e se encadeando umas nas outras nessas longas horas gastas no trânsito... Às vezes me pergunto se não dá pra fazer download do cérebro...

Bom, enquanto não dá e enquanto não consigo trocar o carro pelo meu quarto, fica aqui um contozinho de Kafka que deu muito o que falar na primeira aula de IEL II:

"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro" - "Você só precisa mudar de direção", disse o gato e devorou-o.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O milagre da língua

Quanto mais estudo esse negócio de línguas mais eu me surpreendo. É fascinante esse sistema que os humanos desenvolveram pra se comunicar. E acho que só se tem uma noção da dimensão desse fenômeno quando se estuda pra valer uma segunda língua. Existe tanta coisa pra se nomear! E as coisas podem ser nomeadas de tantas maneiras diferentes que dominar uma segunda língua parece missão impossível. Você estuda, estuda, estuda e sempre descobre novos jeitos de dizer a mesma coisa. Ou ainda descobre novas coisas para dizer, coisas que a sua primeira língua não te permitia dizer, ou, no limite, não te permitia nem pensar.
Veja, por exemplo, a palavra "andar". Quantas maneiras diferentes existem para se referir ao ato de andar? Em português eu poderia dizer andar, caminhar, correr, trotar, arrastar-se, marchar, etc. Em inglês, pegando do meu melhor-amigo-dicionário, olha isso:

stride: to walk with long steps
march: to walk with regular steps (like a soldier)
stroll, wander: to walk slowly for pleasure
tramp: to walk with slow, heavy steps
shuffle: to walk slowly by sliding your feet along instead of lifting them from the ground
creep: to move very quietly and carefully, often with your body in a low position so that nobody will notice you
prowl: to walk or move quietly, in a suspicious way
paddle: to walk with bare feet in shallow water
wade: to walk with difficulty through deep water, mud, etc
stagger: to walk in an unsteady way as if you could fall at any moment
limp: to walk in an uneven way because you have hurt your leg or foot

Fico me perguntando como é que nos primórdios da humanidade nossos antepassados chegaram à conclusão de que precisavam de uma palavra específica para comunicar a idéia de "caminhar de maneira instável como se você pudesse cair a qualquer momento"! Eu consigo conceber a necessidade de uma palavra para a idéia de colocar um pé na frente do outro continuamente para se locomover, ou seja, "andar". Mas daí para o nível de refinamento a que chegamos no inglês, por exemplo, é difícil de imaginar. Tenho até medo de pensar quantas palavras diferentes existem para "andar" em alemão.

Em Linguística I, começamos a estudar a língua como ciência e aprendemos algumas noções sobre aquisição de linguagem. E chamam a atenção alguns fatos que, depois de explicitados parecem óbvios, mas que tenho certeza que ninguém nunca parou pra pensar. Por exemplo, todo ser humano sabe uma língua. Não existe nenhum ser humano (excetuados casos de doença, claro) que não tenha aprendido uma língua. Existe um monte de gente que não sabe escrever, isso sim, mas que não saiba falar não existe. Civilações isoladas, sem escrita, aborígenes, clãs isolados no Tibet ou no Uzbequistão, todos sabem se comunicar seguindo as regras da sua língua. Outro fato interessante: mesmo os falantes considerados iletrados possuem regras. A gente tende a pensar que fora dos limites da norma culta impera o caos e cada um fala como quer. E claro, quanto menos conhecimento uma pessoa tivesse da norma culta, mais caótico seria o seu discurso. Nada disso. Vi inúmeros exemplos de regras que todos os falantes seguem, inconscientemente, sem nunca terem estudado, sem nunca terem sido ensinados, sem nunca terem pensando a respeito.

E isso é só o começo. Por mais que saiba que existe uma explicação (e eu quero buscá-la), não consigo deixar de notar algo de milagroso nisso tudo!

Você já ficou feliz POR alguém?

Não é um fenômeno comum, mas acontece de tempos em tempos. É mais ou menos assim: uma coisa muito muito boa acontece com uma pessoa muito muito querida. E quando você se dá conta está feliz de uma maneira transcedental. É claro que ficamos felizes sempre que algo dá certo na vida de um amigo e celebramos e compartilhamos esses momentos com prazer e empolgação. Mas não é disso que estou falando. É daqueles momentos de comunhão com o universo em que você não deseja nada, pois não há nada para desejar. Você não deseja estar no lugar daquela pessoa. Você não deseja que algo tão bom aconteça com você também um dia. Você não deseja que aquele momento perdure ou que novas conquistas venham no futuro. Você simplesmente está feliz, porque tudo foi como tinha que ser. Está "everything in its right place", como diria o Radiohead.

Queria que existisse uma palavra pra descrever esse sentimento. Eu o chamo aqui de "felicidade" mas é algo diferente, e melhor. É uma benção.
O que me faz lembrar da Clarice e das idéias sobre linguagem que eu venho matutando e pretendo escrever num post após esse. Numa crônica de 1967, ela falou sobre o seu "rol de sentimentos":

"Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por uma pessoa de quem não gosto – como se chama o que eu sinto? A saudade que se tem da pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?"

Pois então pergunto: como se chama ficar feliz por alguém??