quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Não se leve tão a sério (ou um outro jeito de ver a “perspectiva cósmica”)

Já que ando meio devagar para composições próprias, vou divulgar aqui uns textos excelentes que li já faz um bom tempo, mas que merecem (e como!) a lembrança. Afinal, sempre estive mais para mecenas do que para artista.

O primeiro é essa pérola que o Monteiro Lobato escreveu a respeito de um quiproquó sobre sua entrada na Academia Brasileira de Letras. É um lado do Monteiro Lobato que a maioria das pessoas desconhece. Devo os créditos, porém, ao meu amigo João, que descobriu esse texto no meio de suas pesquisas para a tese de Mestrado e teve a sabedoria de publicá-lo no seu Blog. O Blog dele anda meio desativado, mas vale a visita só pelos textos antigos.

O segundo é um texto publicado no Digestivo Cultural, um site que também vale a visita. Foi escrito pelo colunista Eduardo Mineo, inspiradíssimo nas suas provocações sobre deus e o diabo.

Divirtam-se!

(1)
“(...) O arremate final do paradigma do ‘engraçado arrependido’ vem com um episódio de seu próprio criador, Monteiro Lobato. Já que tomamos seu pequeno conto de 1918 como inspiração para compreender a auto-imagem destes humoristas brasileiros da Belle Époque, é impossível não concluir com a menção a um episódio semelhante quando se propõe, pela terceira vez, desta feita no ano de 1944, o nome do próprio Lobato para a Academia Brasileira de Letras. Antes da consumação do episódio, contudo, é ele mesmo que resolve desistir da candidatura, decisão que parecia um tanto óbvia, já que era inimaginável que o escritor participasse das mesmas reuniões com um acadêmico pelo qual ele nutria um ódio explícito – Getúlio Vargas. O mais importante, contudo, para ilustrar o paradigma do ‘engraçado arrependido’, vem numa carta furibunda que Lobato escreve para [o amigo] Cassiano Ricardo, naquele mesmo ano:

Chegaram-me ao ouvido tantas intrigas a respeito da minha entrada lá, que resolvi pôr fim à situação com um coice, mas estava a mil léguas de supor que ias assim tão magoado. Não culpe o Menotti. Ele fez tudo direitinho. O ruim, o peste, sou eu só. E sabe por quê? Porque não consigo levar a sério coisa alguma nesse indecentíssimo mundo. Academia, presidente, papa, bispos, generais: tudo bonecos, sacos de tripa com muita merda por dentro e só vaidades e bobagenzinhas por fora. A humanidade: um sórdido formigueiro de trágicos pequeninos bípedes a se agitarem num planetinha dos mais vagabundos, um milhão de vezes menor que o Sol, o qual é outra pulga num sistema onde há sóis milhões de vezes maior[es] do que ele. Tudo pulga e pulgões. Tudo zero. Tudo nada. E tudo vaidade das vaidades. O Eclesiastes está certo – é a única coisa certa no mundo – a única coisa decente que o bichinho homem jamais escreveu. Tudo é vaidade e aflição de espírito (...) Você está errado. Toma a sério demais coisas e bichos que não merecem ser tomados a sério. Toma a sério um planeta que no nosso próprio sistema planetário não passa duma isca de pó. Abra um livro de Astronomia e envergonhe-se de fazer parte do rebanho de pulgões que parasita esta isca de pó. Imortais, imortalidade, latas, instituições, reis, presidentes, Getúlio, Armando, Churchill, Stalin, Hitler, tutti quanti: pulguinhas magras convencidas de que são gordas. Literatura: bichinhos dizendo o que pensam de outros bichinhos. Tudo bicharia. Bicheira. Tudo bobagem. Ponha o Eclesiastes em teu criado-mudo e faça dele teu livro de cabeceira – e ria-se comigo do sórdido rebanho que rola às cegas para o abismo da morte, um a falar mal do outro, um a aporrinhar o outro, a roubar o outro, a enganar o outro, a disputar latas vazias, etc. etc.

Mude de ponto de vista e sararás – e rirás do que agora te faz sofrer. Dispa as grandes gentes e veja como são grotescas. Ponha o papa nu, de cuecas, com a piroquinha murcha pendurada e veja se há uma beata que tenha coragem de lhe beijar o pé chupelento. Tome o figurão mais importante aí do Rio e veja-o no banheiro, de cócoras na ‘Pescada’, peidando – botando para fora os resíduos fedorentos do que comeu no [Bar] Brama. E vai você aborrecer-se por causa deste cagão?

Vanitas vanitatem. Tudo é vaidade e aflição de espírito. Distribua um cacho de bananas para os imortais que te aporrinharem por causa do Lobato e ria-se, e vá lavar a alma com um chope no Simpatia. Tome um por você e outro por mim – dos grandes. E ria-se, ria-se, pois só o riso nos salva.

(Excertos extraídos de: SALIBA, Elias Thomé. – Raízes do Riso: a representação humorística na história brasileira – da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. – São Paulo: Companhia das Letras, 2002. – pp. 147-148)."


(2)
Não ria!
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2582

2 comentários:

Anônimo disse...

Giovana, se tudo o que o Monteiro Lobato escreveu faz sentido (e parece fazer), entao o que nos resta? O que é nesse mundo é merecedor de nossa atenção? O que vale realmente a pena?
Creio que essa pergunta afligia o Monteiro Lobato; ela parece estar nos vazios e entrelinhas de seu texto.
Voce arriscaria uma resposta?
Parabens pelo blog!

Dzu disse...

O texto é maravilhoso. Qdo estiver para me irritar vou imaginar a pessoa se peidando toda kkkkkk.