quarta-feira, 9 de junho de 2010

Existe algo mais inútil que a poesia?

A poesia não cura pessoas.

A poesia não extrai petróleo nem constrói aviões.

A poesia não faz fusões e aquisições, não acalma o mercado, não fortalece o dólar e provavelmente não está muito interessada em fazer IPO.

Não aumenta a eficiência de nada, não corta gastos, não redesenha processos, não elimina desperdícios. Ela É um desperdício gritante. Quase uma ofensa.

A poesia não tem conexão 3G, GPS, wireless. Não faz planilhas nem relatórios e recusa-se a participar de reuniões.

Ela não conserta nada, não facilita nada, não melhora nada.

Então por que não acabar com ela? Não, não posso, pois a rebeldia é o melhor de mim. Prefiro oferecer, descaradamente, um pouco de inutilidade ao mundo:

Hino nacional

Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

(Carlos Drummond de Andrade)

2 comentários:

test disse...

Oi Giovana,

Obrigado pela sua "inutilidade", foi útil para mim !!!
E em clima de copa do mundo, sinto saudade de um passado que eu não vivi, em que os cronistas esportivos eram poetas, se bem que naquele tempo no futebol cabia poesia (sim... estou decepcionado com a seleção... : )... olha mais um pouco de inutilidade :

O anjo de pernas tortas - Vinícius de Moraes

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento,
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés – um pé de vento!

Num só transporte, a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: Gooooool!
É pura imagem: um G que chuta um O
Dentro da meta, um L. É pura dança!

Abraços,

Pirré

William Garibaldi disse...

Minha querida, um dia descobrirá a Poesia ser capaz de Reviver a Humanidade...
Quer mais utilidade que este hino nacional de Drummond que você postou... a rebeldia tua mesmo é útil... a poesia alegra, a poesia cura.. a poesia ensina, ao menos ensina a sutileza das coisas verdadeiras da vida...

Que vc descubra..
que possa sentir, viver esta Poesia!

Feliz 2011